Autárquicas em Portugal: "É importante que a esperança fale mais alto do que o medo”, Tcherno Amadú Baldé
10 October 2025

Autárquicas em Portugal: "É importante que a esperança fale mais alto do que o medo”, Tcherno Amadú Baldé

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Quase 10 milhões de eleitores podem, no próximo domingo, 12 de Outubro, participar nas eleições autárquicas portuguesas. Em disputa, a escolha de 308 presidentes de câmaras municipais, os seus vereadores e assembleias municipais, bem como 3259 assembleias de freguesia. Apesar de as eleições serem autárquicas, os grandes temas como a habitação, saúde, educação e emigração estiveram sempre presentes nos debates.
 

Depois do grande crescimento que a extrema-direita, representada pelo partido Chega, conseguiu nas Legislativas do ano passado, a questão que muitos comentadores políticos têm colocado é se a extrema-direita vai conseguir afirmar-se no poder local.

A RFI falou com Tcherno Amadú Baldé, formado em Ciência Política e Relações Internacionais, é Gestor de Projectos Educativos, considera que, na hora de votar, “é importante que a esperança fale mais alto do que o medo”.

O guineense e cidadão português, começa por realçar como seria importante que todos aqueles que residem em Portugal pudessem participar nas eleições autárquicas.

Tcherno Amadú Baldé: Eu tenho o direito de participar porque também sou cidadão português. Porque, no caso da Guiné-Bissau não existe o acordo de reciprocidade que permite aos cidadãos guineenses que não tenham a cidadania portuguesa que possam participar e votar ou serem eleitos, como acontece, por exemplo, no caso do Cabo Verde. Isso até era uma boa questão a ser debatida. Temos comunidades imigrantes grandes que estão a viver em Portugal, que não têm cidadania portuguesa, seja porque ainda não completaram o número de anos que são necessários para poderem fazer esse pedido ou porque simplesmente não querem, mas que trabalham, estão integrados neste país, contribuem para este país. Portanto, a questão da participação política acaba por ser muito importante porque influencia diretamente as nossas vidas. E estas eleições são relevantes, todas as eleições são importantes, mas estas, sobretudo, tendo em conta todo o ambiente político e social que está a ser vivido no país.

Neste momento, infelizmente, os imigrantes estão a ser o bode expiatório praticamente para tudo o que corre mal, e o que corre mal afeta também os imigrantes. Se há problema na habitação, em vez de pensarmos na solução para esses problemas, começamos a apontar a quem vem de fora. Há problemas em termos de vagas nas escolas, nas creches, no pré-escolar, em vez de procurarmos soluções para estes problemas, apontamos para os imigrantes ou os seus filhos, que estão a tirar lugar aos portugueses. 

Mas, quer dizer, quem está aqui tem os seus direitos e esses direitos têm que ser salvaguardados. O filho de imigrante que está na escola está lá porque é um direito que tem, não está, apesar de todo o discurso que é feito nesse sentido, não está a tirar lugar a ninguém. O que se tem que fazer, e o Governo e o Estado no seu todo, é procurar respostas para que ninguém fique de fora, seja ele português ou imigrante, seja ele português de origem ou português que tenha adquirido a nacionalidade portuguesa. 

Portanto, (participar nas eleições) é importante também para os próprios imigrantes e combater o extremismo.

RFI: Reside no Conselho de Sintra, onde há uma grande comunidade imigrante. O que é que percepciona dos contactos com os outros habitantes do Conselho?

Tcherno Amadú Baldé: Sintra é dos conselhos mais interessantes, ou seja, nestas eleições, também porque estas eleições estão a acontecer a muito pouco tempo de distância das últimas eleições legislativas, onde no concelho de Sintra, salvo erro na área metropolitana de Lisboa, foi o único concelho onde o partido extremista, o Chega, ganhou, ficou na primeira posição. 

Então, tendo em conta isso tudo, está a ter também um grande destaque porque ninguém sabe o que poderá acontecer em termos de mudanças. Mudanças vão acontecer, com certeza, porque o presidente que lá está, já está no limite do mandato.

Agora, pronto, não sabemos o que irá acontecer. 

Mas há esta preocupação, não é? Para que lado é que os sintrenses vão olhar nestas eleições? Se é olharmos e focarmos na esperança ou se vamos focar no medo. Com o medo, elegermos o extremismo, que não nos vai trazer solução nenhuma, só vai colocar-nos todos uns contra os outros. Ou então pensarmos em soluções democráticas de esperança e que nos responsabilize a todos, coletivamente, para procurarmos soluções e respostas para os desafios que todos nós enfrentamos, que todos nós sentimos.

RFI: É facilmente constatável, nestas eleições autárquicas, a ausência de pessoas com raízes no estrangeiro, com raízes em África. A ausência dessas pessoas das listas de candidatos, a que é que se deve?

Tcherno Amadú Baldé: Sim, pelo menos assim, com posições de maior destaque, como aconteceu nas outras eleições. Não existem, mas existem, em algumas listas, candidatos a cargos de variação, ou nas assembleias municipais ou de freguesias. Existem, mas deveria haver mais. Penso que, eventualmente, poderá também ser porque a ausência, vai acabar por reforçar e continuar a alimentar as ausências. Isso é importante, porque tem a ver também com a questão da identificação.

Será que isto é para mim? Será que este espaço é para mim? Por isso é que o dar destaque ao que há também é importante, no sentido de chamar a atenção e convidar os outros também a se envolverem. Ou, às vezes, também tem a ver com a questão da integração, que muitas vezes não está completa. E aí, existe uma responsabilidade, também, das próprias organizações de imigrantes, no sentido de trabalhar isso, mas também e, sobretudo, da própria sociedade de acolhimento, para promover esta integração plena e que permita, também, a participação plena, para que os imigrantes, sobretudo aqueles que já têm a cidadania portuguesa, não fiquem só como meros espectadores.

E tentarmos participar, também, no debate público. Todos têm responsabilidade nisso. Os partidos têm responsabilidade. A comunicação social tem uma grande responsabilidade, por exemplo, agora, nas questões das migrações. O tema central acaba por ser os imigrantes, mas que, muitas vezes, estão ausentes desses debates.

RFI: Como guineense e, neste caso, como eleitor em Portugal, vai votar nas eleições autárquicas. É importante essa participação?

Tcherno Amadú Baldé: Os votos têm sempre impacto nas nossas vidas. 

Por isso, é importante participarmos, exercermos esse direito. Estamos a exercer por nós, estamos a exercer pelos outros, que não podem, mas estamos a exercer por toda a sociedade. Porque, se a sociedade portuguesa for boa, é boa para todos nós que estamos aqui.

É que, muitas vezes, a forma como o debate é feito, como se os imigrantes não quisessem o bem-estar. Se escolhemos Portugal para viver, é porque apostamos nesse país e nós queremos tirar proveito da sociedade no sentido das oportunidades que a sociedade oferece para todas as pessoas que vivem nela, mas também contribuirmos para a própria sociedade, como, de resto, tem acontecido. Porque, se não, é má para todos nós e, depois, partimos daqui todos à procura de uma coisa que seja melhor.

E, agora, o apelo generalizado, que também é importante, que não seja só para os imigrantes, mas para todos nós, enquanto sociedade portuguesa, a participação, primeiro, é importante e é importante que a esperança fale mais alto do que o medo.

É muito importante porque o medo não nos vai levar ao lado nenhum, só nos vai colocar uns contra os outros e, se estivermos de costas viradas, não há cooperação e, sem cooperação, não há sociedade melhor.