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De segunda a sexta-feira (ou, quando a actualidade o justifica, mesmo ao fim de semana), sob forma de entrevista, analisamos um dos temas em destaque na actualidade.

Jornalista e poeta Mussa Baldé lança novo álbum de poemas em Bissau neste sábado
19 December 2024
Jornalista e poeta Mussa Baldé lança novo álbum de poemas em Bissau neste sábado

Em Bissau, Mussa Baldé que os nossos ouvintes conhecem sobretudo como correspondente da RFI, lança neste sábado a partir das 20 horas locais o seu segundo álbum de poemas no centro cultural franco bissau-guineense. Esta colectânea escrita em crioulo guineense e que tem a particularidade inédita de ser feita em áudio e vídeo, intitula-se “Guiné i ninki nanka, Fankanta di Mussá Baldé”.

Traduzido em imagem e som através dos meios da produtora 'Katumbi', estrutura fundada por Mussa Baldé, este projecto composto por 10 poemas pretende exaltar os valores e a resiliência das diversas comunidades guineenses.

A mais longo prazo, este álbum de poemas pode ser também visto como um patamar antes da concretização de outro projecto do jornalista, a rodagem prevista em 2025 do seu novo filme intitulado 'Minina di bandeja', uma fita que chega catorze anos depois da sua primeira experiência na sétima arte, 'Clara de Sabura', que na altura encontrou muito eco junto do público.

Em conversa com a RFI, Mussa Baldé falou de cinema, de aprendizagem, de música e, claro, do seu novo álbum de poemas.

RFI: Do que é que trata este álbum de poemas?

Mussa Baldé: O meu álbum “Guiné i ninki nanka, Fankanta di Mussá Baldé” é uma expressão idiomática da Guiné-Bissau, que quer dizer mais ou menos isto: a Guiné é um país grande, é um país para além do sobrenatural, para além do normal. Mas é a minha verdade perante esta Guiné-Bissau. É um álbum que eu pensei durante três anos. Nos últimos três anos dediquei-me à pesquisa sobre as expressões idiomáticas do crioulo da Guiné-Bissau, das nossas valências, do nosso crioulo, das nossas idiossincrasias, das nossas línguas nacionais, mas sobretudo, daquilo que é a nossa pertença, a nossa comunhão enquanto povo e nação. Nós somos um país com mais de 33 grupos étnicos, cada grupo étnico, com a sua própria idiossincrasia, com a sua particularidade, com a sua cultura, com o seu dialecto. Mas nós temos uma coisa em comum, que é a nossa pertença à Guiné-Bissau. Portanto, eu quis com este álbum de poesias, exaltar a nossa pertença a uma nação única. Apesar de sermos um mosaico, somos, no final do dia, um único país, uma única nação. Portanto, é isso que eu quis homenagear. Apesar de a Guiné-Bissau neste momento, atravessar situações muito complicadas nos últimos anos, derivado a muitas carências que o povo enfrenta. Mas nós não podemos perder de vista que nós somos e fomos e seremos um grande país, uma grande nação. Um país que fez a luta armada que nós fizemos, um país que fez a resistência anticolonial que nós fizemos, nunca pode ser um país pequeno. Um país que tem um nacionalista, um pensador, um revolucionário da craveira de Amílcar Cabral não pode ser um qualquer país. Portanto, é isso que eu quis com este álbum de poemas exaltar e recordar aos guineenses: aquilo que nós fomos, aquilo que nós somos e aquilo que nós poderemos vir a ser neste mundo.

RFI: Este álbum de poemas, que é o segundo álbum de poemas que fazes, tem a particularidade de a ser o primeiro álbum de poemas em vídeo. Porquê essa opção de sair da versão papel da poesia e ir para o ecrã?

Mussa Baldé: Este vai ser o segundo álbum de poemas, mas eu nunca publiquei poemas em livro, sempre publiquei em áudio. Antes, quando comecei a publicar os meus poemas, sempre gravei os meus poemas com a minha voz e soltei aqui nas rádios. Depois, com o advento das redes sociais, fui soltando nas redes sociais, no Facebook, no YouTube, sobretudo e agora no Tiktok. Mas em 2020 publiquei o meu primeiro álbum de poemas em áudio, que também foi uma novidade naquela altura. Era a primeira vez que se faz uma coletânea de muitos poemas em áudio e agora vou publicar em áudio e em vídeo, que será também a primeira vez que se vai publicar um álbum de poemas em vídeo. Tenho dez poemas, mas nove estarão ilustrados com vídeos. Não vídeos circunstanciais, mas vídeos pensados para poder acompanhar toda a dinâmica, toda a informação, toda a narrativa dos poemas. É algo cinematográfico que nós tentamos aqui trazer. As pessoas estão a ouvir, mas ao mesmo tempo estão a ver aquilo que se está a dizer no poema. É claro que não se consegue traduzir em vídeo tudo o que se está a dizer num poema, mas há muitas passagens da narrativa dos poemas que contêm aí fragmentos do vídeo devidamente gravados de propósito para ilustrar o trabalho.

RFI: Como é que foi a rodagem desses poemas em vídeo?

Mussa Baldé: Não foi nada complicado porque estou a trabalhar com um grupo de jovens empenhados, jovens abnegados, que querem participar no meu próximo filme, que se calhar vamos falar daqui a bocado. Portanto, é uma espécie de antecâmara daquilo que poderá vir a ser a rodagem do meu próximo filme. São jovens já treinados. Eu penso que o público vai gostar. Vai se surpreender porque há ali alguma ousadia da realização minha e do meu colega Peter Gomes. Nós é que fizemos a realização dos vídeos. Acho que eu é uma novidade que as pessoas vão gostar, porque nós temos que acompanhar a tendência mundial. Hoje em dia, o vídeo fala mais, a fotografia fala mais do que a palavra, mas eu acredito que o vídeo fale mais do que uma fotografia.

RFI: Estavas a falar do teu projecto de filme: do que é que trata este filme que tu pretendes rodar muito em breve?

Mussa Baldé: Muito em breve significa que logo nos primeiros três meses de 2025 vamos rodar o filme. O filme de certeza estará pronto, disponível nos ecrãs em 2025. As pessoas vão poder ver o meu próximo filme. Nós fizemos o filme 'Clara di Sabura' em 2011. Desde aquela altura nós andamos a aprender como é que se faz cinema de verdade. Viajamos para Portugal, para o Brasil, estudamos, falámos com realizadores, consultámos livros para poder perceber a técnica do cinema, como é que se faz cinema, já que nós não tivemos oportunidade de andar numa escola de cinema. Sou jornalista. Mas esse nosso filme é um filme que nós estamos a arquitectar já lá vão cinco anos. O filme chama-se 'Minina di bandeja', que quer dizer 'menina da bandeja'. Aqui na Guiné-Bissau, existe ainda a prática de colocar meninas a vender coisas nas ruas, a vender comida, a vender água, a vender refrescos, que é uma prática que nós condenamos enquanto pessoas, enquanto cidadãos, enquanto pessoas conscientes da nossa responsabilidade social. Nós consideramos que o lugar de uma menina é na escola ou a brincar. Apesar da existência da lei na Guiné-Bissau, que criminaliza o trabalho infantil, a prática do trabalho infantil ainda persiste na nossa sociedade. É isso que nós queremos denunciar com este filme. O filme 'Minina di Bandeja' vai querer denunciar a situação em que uma menina é obrigada a vender na rua, obrigada a vender por uma tia. Nessa actividade de venda nas ruas de Bissau, a vender amendoim, a vender água, banana, a vender outras coisas, a menina é sujeita a situações constrangedoras, como assédio, abusos físicos, como o impedimento de ir à escola e acaba por ser obrigada -isto em termos ficcionados- a aceitar um casamento com um senhor com idade para ser o seu avô. A menina, consciente por ter sido sensibilizada pelas organizações da sociedade civil, consciente dos seus direitos, foge da casa da tia, vai para um centro de acolhimento e nesse centro de acolhimento, ela acaba por ser enquadrada numa universidade. Ela acaba por estudar e forma-se como médica com umas colegas que também fugiram do casamento forçado. Acabam por formar uma associação que começa um trabalho de denúncia da prática do casamento forçado, da mutilação genital feminina, do casamento combinado, do casamento precoce. E essas meninas acabam por criar essa associação que começa um grande trabalho de sensibilização a nível nacional. Portanto, o filme quer, por um lado, denunciar práticas degradantes contra a condição das meninas e também quer mostrar que qualquer menina empoderada, a quem tenha sido dada a oportunidade, consegue se formar. Também é um filme que consegue mostrar que todos nós temos o direito de denunciar práticas degradantes contra a condição das meninas na Guiné-Bissau.

RFI: Como é que foi todo o processo de preparação para chegarmos a parte das filmagens? O processo de preparação, ou seja, o financiamento, os apoios, que é uma parte muito difícil para se chegar à parte se calhar mais engraçada que são as rodagens?

Mussa Baldé: O processo de angariação de fundos não tem sido fácil, mas tenho estado a conseguir alguma coisa, digamos. Neste momento, terei à volta de 40 a 45% já garantidos. Eu apresentei o projecto a várias entidades, sobretudo entidades que trabalham na temática ligada à promoção e à valorização dos direitos da mulher na Guiné-Bissau, a UNICEF, o FNUAP e outras agências das Nações Unidas. Prontamente, o FNUAP e a UNICEF abraçaram o projecto. Deram apoios. Digamos que no início do ano já vamos ter fundos para produzir o filme. Um banco, aqui também da nossa praça, o Banco da África Ocidental, o BAO, que tem sido o parceiro privilegiado da Katumbi desde o início, também abraçou o projecto do filme e deu algum apoio. Mas todo esse apoio que eu já tenho garantido não chega para produzir o filme até ao final. A verba que nós temos neste momento vai dar para rodar o filme. Agora, o filme vai ter legendas em português, em francês, em inglês, em mandarim. Portanto, é uma pós-produção que terá que ser feita num estúdio com melhor qualidade, se calhar em Portugal. O filme custa à volta de 20 mil Euros. Não é muito dinheiro. Se eu tivesse esse dinheiro pagava, mas na realidade da Guiné-Bissau, ainda assim é uma verba considerável. Mas eu estou em crer que vamos ter esse financiamento e vamos fazer o filme em 2025. O filme 'Minina di Bandeja' vai estar disponível para o grande público, não só da Guiné-Bissau, mas também da comunidade internacional. As pessoas vão poder ver o filme 'Minina di Bandeja'.

RFI: Relativamente, lá está, a toda aquela parte da produção, não é a primeira vez que estás envolvido num projecto de filme. Em 2011 houve 'Clara di Sabura'. Quais foram as lições que tiraste dessa experiência?

Mussa Baldé: Em termos de execução técnica, cometemos muitos erros, porque também na altura eu não tinha conhecimentos que hoje tenho de como é que se faz cinema. Digamos que hoje em dia tenho mais conhecimento. Tanto assim é, que não tive dificuldades em escrever o roteiro, escrevi o roteiro, escrevi a banda sonora que já está gravada. Nós cometemos muitos erros técnicos no filme 'Clara di Sabura'. O filme foi muito publicitado, foi muito falado junto das comunidades guineenses na diáspora. Mas em termos técnicos, o filme deixa muito a desejar. Essa experiência levou-me a uma grande reflexão. De 2011 a esta parte tive que parar, aprender, ainda que tenha em carteira vários projectos que poderiam ser já rodados para cinema.

RFI: Mencionaste que já escreveste a banda sonora de 'Minina di Bandeja', tal como sucedeu também com 'Clara di Sabura'. O que é que tu podes dizer sobre essa banda sonora?

Mussa Baldé: A banda sonora é um desafio que eu considero que é um desafio ganho. Eu fiz para mim mesmo desafio de que poderíamos fazer uma música de qualidade aqui na Guiné-Bissau. Eu tive de falar com o meu irmão, o grande Binham, que cantou uma música. Tive que falar com um jovem que está na berlinda da música moderna da Guiné-Bissau, o Airton que também cantou uma música. Tive que desencantar duas grandes pérolas da música moderna Guiné-Bissau. São duas jovens da Igreja Evangélica. A Adjania Gomes e a Lídia Imbine. São jovens da Igreja evangélica de 23 anos, 24 anos. Tive que convencê-las de que poderiam participar no projecto 'Minina di Bandeja'. As duas aceitaram prontamente. Pegaram nas minhas letras, nós arranjamos um produtor, o jovem Nabello, também da Igreja Evangélica, e convencemos estes três jovens a darem corpo a duas músicas. Por exemplo, agora no lançamento do CD de poemas, uma música do filme 'Minina di Bandeja' vai ser apresentada ao público, a música 'Vencedoras', que vai ser cantada pela Adjania e pela Lídia. Uma música da banda sonora foi gravada em Portugal. Três músicas foram gravadas aqui em Bissau. São músicas de que eu gosto particularmente, não por serem músicas escritas por mim, mas são músicas que inspiram, músicas que mostram a realidade daquilo que é a vida destas meninas que andam a vender pelas ruas da Guiné-Bissau.

RFI: Voltando ao começo da nossa conversa relativamente à apresentação do teu segundo álbum de poemas que vai acontecer neste sábado no Centro Cultural Francês, quais são as tuas expectativas relativamente a esta apresentação?

Mussa Baldé: Eu quero que os guineenses venham assistir. Vamos pôr à disposição áudios, mas também poemas em vídeo. É a primeira vez na Guiné-Bissau que se vai lançar 'vídeo-poemas', digamos assim. É um desafio também que eu fiz à minha equipa da Katumbi e ao meu amigo realizador Peter Gomes. Nós os dois realizámos os vídeos. Vamos tentar fazer uma festa bonita e mostrar que nós somos diferentes. Nós temos várias etnias, mas no final do dia somos de uma mesma nação. Portanto, é isso que eu quero. Quero que as pessoas venham. Pena é que nós não vamos poder aceitar toda a gente que quer participar na cerimónia do lançamento, porque o espaço é exíguo. Estamos a falar de 200 cadeiras e aproveito esta oportunidade para saudar a disponibilidade do director do Centro Cultural franco-guineense pela pronta disponibilidade. Quando nós apresentamos o projecto, ele entusiasmou-se com o nosso projecto, ainda que o lançamento esteja a acontecer numa altura em que o Centro Cultural franco-guineense está a celebrar os 20 anos da sua reabertura ao público. Portanto, estamos a associar o útil ao agradável com o lançamento do nosso segundo álbum de poemas.

Macau 25 anos depois do início da transição: desafios e expectativas
19 December 2024
Macau 25 anos depois do início da transição: desafios e expectativas

Macau assinala nesta sexta feira, 25 anos da transferência de soberania de Portugal para a China. A meio caminho deste processo de transição, previsto para durar cinco décadas, é tempo para um balanço e procurar saber qual o sentimento dos habitantes desta região administrativa especial chinesa, antigo território português durante séculos.

Amélia António é advogada radicada em Macau desde os anos 80 do século XX e presidente da Casa de Portugal. Ela começa por fazer um diagnóstico quanto ao cumprimento do que tinha sido acordado entre Lisboa e Pequim quanto a esta transição globalmente respeitado. Segundo ela ele tem sido globalmente cumprido.

Tem sido vivido com muita serenidade. No essencial, tudo o que estava acordado tem sido respeitado. Tudo decorreu dentro de uma grande normalidade. Na vida do dia a dia. As pessoas praticamente não se aperceberam sequer muito de alterações grandes ou de alterações de fundo. Digamos que podemos considerar um tempo até ao COVID. Há o tempo do COVID e o pós COVID. O COVID veio causar muita perturbação. Nós aqui vivêmo-lo de uma forma um bocado violenta e o isolamento que as pessoas tiveram que estar, etc. Causou perturbação em muita gente que fez repensar a sua continuação em Macau. E, a seguir ao COVID houve muita gente, quando abriram novamente as fronteiras, as possibilidades de viajar, etc. Houve muita gente que resolveu regressar a Portugal. Uns porque, enfim, já tinham alguma idade. Outros mais jovens porque ficaram um pouco perturbados e, digamos, assustados com aquele tempo. Foi de facto um período muito difícil e que, esse sim, causou muita perturbação na comunidade portuguesa.

O presidente chinês falou de um grande sucesso em relação a "Um país, dois sistemas". Esta percepção é partilhada ou não?

Eu sei que ainda esta semana a Assembleia Legislativa aprovou uma lei que prevê a demissão de funcionários públicos que sejam considerados como desleais para com Macau ou desleais para com a China.

Sei também que, no passado, por exemplo, na área da comunicação social, muitos profissionais se tinham queixado de agora haver um controlo maior em relação à China. E como é que olha, de facto, para esta parte mais política, ao longo destes 25 anos?

De certo modo, foi um bocado empolado porque quando aparece legislação nova são coisas que existem também nos outros países. O respeito pela bandeira, o respeito por figuras de Estado. E aqui nós não estamos num sistema de censura instalado, etc. Agora, que as pessoas tenham mais cuidado porque não estão no seu país. Estão a falar do vizinho em casa, de quem estão. Portanto, é natural que haja algum cuidado na forma de se expressar.

E acha que isso não se fica também a dever à dimensão que teve a repressão dos protestos pró-democracia em Hong Kong ? Eu lembro-me que no passado havia algumas manifestações, por exemplo, em Macau, para comemorar o massacre de Tiananmen e que de há uns anos para cá já ninguém sai à rua. Portanto, em que medida é que o que aconteceu em Hong Kong não veio a ter impacto em Macau?

O que aconteceu em Hong Kong foi determinante dos cuidados que nunca tinham sido necessários acautelar e implementar em Macau. E que, face a tudo o que aconteceu em Hong Kong, isso veio, digamos, fazer uma espécie de alarme. Sendo que em Macau nunca tinha surgido a necessidade de se pensar que era precisa esta medida ou aquela, porque as coisas em Macau tinham outras características, decorriam de outra maneira. A nossa forma de estar em Macau, as relações das pessoas que vivem em Macau com a República Popular da China foi sempre bastante pacífica.

E acha que se pode falar de alguma submissão de alguma forma dos macaenses relativamente ao que agora é decidido a partir de Pequim ?

Não é submissão. É a compreensão da realidade em que se vive, da realidade do país.

Então a senhora acha que a China está a cumprir com o que tinha sido acordado em relação a estes 50 anos de transferência?

No fundamental, não tenho dúvida nenhuma em afirmar que sim.

Agora, pelo que eu entendi, de facto há neste momento menos facilidade para, por exemplo, cidadãos portugueses se instalarem em Macau para conseguirem a autorização de residência !

Exactamente. Isso foi uma das alterações que surgiu na altura do COVID em que as pessoas estavam um bocadinho distraídas. E essas alterações causam alguma dificuldade à comunidade, porque perdemos pessoas muito qualificadas. Precisamos delas, precisamos... quer dizer que elas foram e não é para voltar. Mas precisamos de outras que ocupem os seus lugares, etc. E, portanto, tudo se tornou mais difícil nesse aspecto. Portanto, isso é uma das questões que estamos na expectativa de perceber como é que vai ser conduzido com o novo chefe do Executivo.

Então, precisamente, ele chama-se Sam Hou Fai e pela primeira vez é um chefe do executivo que até fala português. Macau está sempre a querer apostar nas relações, nas trocas com os países de língua portuguesa. Acha que isto tem pernas para andar? Deposita fé no novo chefe do Executivo?

Tenho bastante esperança porque houve uma grande preocupação, desde que ele anunciou a sua candidatura, que houve uma preocupação muito, muito grande em pôr em destaque a relação com os países de língua portuguesa. A importância do português, o papel da comunidade de língua portuguesa aqui. Isso foi sistematicamente afirmado. Nós vamos entrar numa fase diferente de transição. É o primeiro chefe do executivo, que não vem de famílias, comerciantes ou industriais, etc. Portanto, que é um homem de carreira da máquina do Estado. A ideia que nos dá é que, de facto, a China quer, de certa maneira, libertar Macau da grande influência das famílias que, ao longo destes 25 anos, continuaram a ter grande preponderância na vida económica. Dá a ideia de que as orientações de Pequim, neste momento, passaram a ser mais claras, mais objetivas. E, portanto, é uma nova fase.

E fala-se muito da diversificação económica. Macau, obviamente, é conhecida pelo mundo fora, sobretudo através das receitas do jogo. Para além do jogo, quais são os trunfos que Macau poderá ter, efectivamente, para poder não ficar tão dependente destas receitas?

Há várias áreas em que Macau pode apostar. Macau agora construiu um grande complexo hospitalar novo, que está a ser orientado por um hospital de renome de Pequim. Pode vir a desenvolver, por exemplo, com os hotéis todos que tem e que ficam relativamente próximos, etc. a área da saúde, do turismo de saúde. A parte do ensino, porque Macau tem neste momento várias universidades. O ensino é também um ponto, digamos que a China parece, por alguma ênfase em Macau, ser um centro de disseminação do português, etc.

Fala-se muito na integração, precisamente no grande delta da Baía das Pérolas, com Hong Kong, com a parte continental do sul da China !

Sim, sobretudo a parte do delta. A ligação de Macau com a zona de Cantão, as quatro cidades grandes que eles consideram que fazem parte desta área. Quer dizer, a China está a puxar muito pelas pessoas de Macau para a integração e, portanto, isso pode trazer outras fontes de receita a Macau. São perspectivas várias, mas numa fase de arranque.

Estamos a meio de um percurso. Passaram 25 anos. Faltam outros tantos. Portanto, tem esperança, por exemplo, que a língua portuguesa se venha manter a prazo em Macau, quando Macau for 100% chinesa, quando acabar este período de transição ?

Tenho todas as razões para pensar que sim, porque devo dizer que hoje há pessoas a estudar português em Macau no número que nunca existiu no tempo da administração portuguesa. Hoje o ensino do português está bastante diversificado e existe nas universidades. Existe nas escolas luso-chinesas que começam o ensino desde o ensino infantil a crianças que começam logo daí a aprender português.

E eu devo dizer que a Escola Portuguesa de Macau é muito procurada neste momento. Eu diria que a maior percentagem de alunos da escola não são alunos de origem portuguesa. São alunos locais, muitos deles ou de famílias mistas, ou mesmo só de famílias chinesas. Nós temos alunos na escola, na escola portuguesa, cujos pais não falam de todo o português. Logo de início, a partir do ensino pré primário e primário, são escolas da rede pública. Portanto, é o Governo de Macau a implementar essa aprendizagem de português de raiz. Portanto, isto tem que forçosamente vir a ter repercussões, não é? Vai ter que se sentir o resultado. E, portanto, são razões para sermos optimistas relativamente ao uso do português no futuro.

Depois da repressão pós-eleitoral, ciclone Chido deixa “moçambicanos de rastos”
18 December 2024
Depois da repressão pós-eleitoral, ciclone Chido deixa “moçambicanos de rastos”

“Falta tudo em Mecúfi”, o ponto de entrada do ciclone Chido em Moçambique, onde o vento chegou a soprar 260 quilómetros por hora no domingo. Neste distrito da província de Cabo Delgado, falta água, alimentos, telhados, roupa, tudo, testemunha Hélia Seda, gestora de projectos da ONG Helpo em Moçambique. Este é o mais recente ciclone a fustigar um dos países mais severamente afectados pelas alterações climáticas no mundo e vem juntar-se à violência que atinge o norte do país desde 2017 e à repressão dos protestos pós-eleitorais nos últimos dois meses. “Os moçambicanos estão de rastos e abandonados à própria sorte”, desabafa Hélia Seda.

Até esta quarta-feira, 18 de Dezembro, o Instituto Nacional de Gestão e Redução do Risco de Desastres registava que 45 pessoas morreram na sequência da passagem do ciclone tropical Chido nas províncias de Cabo Delgado, Niassa e Nampula, no norte de Moçambique. Pelo menos 493 pessoas ficaram feridas, uma está desaparecida e um total de 35.689 famílias foram afectadas, o correspondente a 181.554 pessoas.

Porém, o número de vítimas mortais poderá ser bem superior, admite Hélia Seda, gestora do projecto da ONG Helpo de fortalecimento dos serviços de saúde e nutrição em Mecúfi e Ancuabe. A responsável contou à RFI que só em Mecúfi haveria, pelo menos, “50 mortos, incluindo crianças e mulheres em idade fértil”. É que Mecúfi parece ser o distrito mais afectado por ter sido o ponto de entrada do ciclone Chido em Moçambique. “Cem por cento da população de Mecúfi está afectada, em diferentes magnitudes, mas 100% está afectada”, precisa a responsável, sublinhando que no distrito vivem 76.000 pessoas.

“Mecúfi foi o ponto de entrada do ciclone Chido para a província de Cabo Delgado. Principalmente as habitações mais precárias e construídas a partir de material local encontram-se 100% destruídas; as infra-estruturas governamentais e privadas construídas através de material convencional encontram-se completamente sem tecto, com excepção de duas escolas que têm cinco salas intactas e também uma escola que não está completamente destruída. Em Mecúfi neste momento falta tudo, mas as ajudas alimentares já começaram a chegar”, conta Hélia Seda, recordando que a Helpo já entregou kits de higiene e vai continuar a entregar ajuda de primeira necessidade.

Hélia Seda explicou que “72 horas passam após Mecúfi ser atingido por este ciclone, os sítios que tinham sido mapeados para servirem de campos de acomodação encontram-se igualmente devastados”, o que leva a que “quase toda a população” continue nas suas zonas de origem, “expostas ao sol, ao frio” e, eventualmente, às chuvas porque as casas ficaram destruídas e sem tecto.

É urgente que as pessoas possam estar abrigadas, reconhece Carlos Almeida, coordenador da Helpo em Moçambique, sublinhando que em Mecúfi, por exemplo, “as casas das pessoas foram praticamente varridas na totalidade” e que em Metuge e Ancuabe a situação também é grave. Por isso, uma das prioridades é conseguirem toldos para proteger as pessoas, mas “a prioridade das prioridades” é distribuir alimentos, algo que a ONG começou a fazer esta quarta-feira.

A organização não-governamental para o desenvolvimento, presente em Moçambique desde 2008, lançou uma campanha de recolha de fundos, intitulada "Iniciativa Emergência Ciclone Chido", para ajudar imediatamente as pessoas e que está acessível na sua página e nas suas redes sociais.

Outra preocupação é o surgimento de surtos de cólera. “Há sempre surtos de cólera em Moçambique nestas situações pós-ciclone. Aconteceu isso no ciclone Idai e aconteceu no ciclone Kenneth. As pessoas não têm acesso a água potável, não conseguem beber água em condições, não conseguem manter a higiene e a cólera pode aparecer. Ao mesmo tempo, as infraestruturas de saúde, pelo facto de também estarem destruídas, umas totalmente outras parcialmente, faz com que os cuidados de saúde não sejam dignos para estas pessoas. Por isso temos aqui um efeito de bola de neve em que todos estes problemas vão-se acumulando e vai ser um Dezembro muito complicado para as populações de Cabo Delgado e do norte da província de Nampula, que também foi muito afectada. Niassa também sofreu alguma coisa, mas por ser muito no interior, a passagem do ciclone Chido teve um efeito menos devastador”, explica Carlos Almeida.

O ciclone é mais um episódio que põe à prova a resiliência dos moçambicanos que, no norte do país, sofrem os ataques de uma insurgência armada desde 2017 e, nos últimos dois meses, enfrentam, por todo o país, a repressão policial aos protestos pós-eleitorais, em que morreram, pelo menos 130 pessoas. “Os moçambicanos estão de rastos e abandonados à própria sorte”, desabafa Hélia Seda.

“São catástrofes, são situações políticas, é a própria instabilidade da própria província, são situações climáticas e tudo isso influencia directamente a vida dos moçambicanos. Todos somos chamados a intervir para que aliviemos a situação da população no geral”, comenta a responsável.

De facto, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) reconheceu que o ciclone Chido agravou as necessidades das populações no norte de Moçambique, deslocadas pelo terrorismo, e que 190 mil pessoas precisam de “apoio urgente”. No fundo, Cabo Delgado enfrenta “um triplo problema”, acrescenta Carlos Almeida: o ciclone, o terrorismo e o “conturbado período pós-eleitoral”. A tudo isto soma-se um quarto factor que pode levar a que Moçambique seja esquecido nas turbulências mundiais actuais: a diminuição da ajuda internacional.

“Com todos estes ingredientes, com o facto de as agências das Nações Unidas estarem a receber menos financiamento para este problema em Moçambique, é que esta crise de terrorismo e dos deslocados pode vir a ser uma crise esquecida porque constantemente a demanda de problemas no resto do mundo, como a questão da Ucrânia, a questão do Médio Oriente, da Palestina e agora da Síria, são tudo problemas que tiram o foco o financiamento das agências das Nações Unidas e também das organizações não governamentais, como é o caso da Helpo, que é uma organização não governamental internacional. No entanto, por estarmos a trabalhar em Moçambique desde 2008, temos já uma implementação local, mas também nos deparamos com esta questão dos fundos que são sempre menores do que as necessidades”, explica.

De acordo com as autoridades moçambicanas, a passagem do ciclone Chido causou ainda a destruição total e parcial de 36.207 casas, afectando também 48 unidades hospitalares, 13 casas de culto, 186 postes de energia, 9 sistemas de água e 171 embarcações. O ciclone tropical, que devastou o arquipélago francês Mayotte, entrou no domingo pelo distrito de Mecúfi, na província de Cabo Delgado, com ventos que rondaram os 260 quilómetros por hora.

"Queremos tornar Cabo Verde uma referência tecnológica na África Ocidental"
17 December 2024
"Queremos tornar Cabo Verde uma referência tecnológica na África Ocidental"

Cabo Verde destacou-se na edição 2024 da Web Summit, em Lisboa, como o único país africano presente, com um espaço de exposição próprio e uma delegação composta por 15 startups. O Secretário de Estado da Economia Digital de Cabo Verde, Pedro Lopes, reiterou o compromisso do governo em transformar o país numa referência tecnológica na África Ocidental. A participação na Web Summit resultou numa nova parceria estratégica com a Microsoft, ampliando as oportunidades para os jovens cabo-verdianos.

Quais é que são os principais objetivos da participação Especialmente com a presença de 15 startups nas áreas de saúde, bem estar, comércio, recrutamento, marketing digital e muitas outras. 

Pedro Lopes: O principal objectivo é multiplicar oportunidades. É nosso dever, enquanto governo, criar oportunidades para os jovens terem palco neste grande certame internacional. Nós queremos ser uma referência de tecnologia na costa ocidental africana e para isso é preciso nós capacitamos os nossos jovens e colocamos estes jovens também no centro do mundo tecnológico. Digo sempre que não é preciso ser um adivinho para perceber que o futuro do mundo será desenhado nestes certames tecnológicos. Cabo Verde quer estar presente e estar aqui com os nossos, com os nossos talentos. Queremos ganhar visibilidade, queremos mostrar que também temos uma palavra a dizer e queremos um um assento nesta mesa que será, com toda a certeza, a mesa do desenvolvimento económico através da tecnologia e da inovação.

Cabo Verde é o único país africano com um espaço de exposição próprio na WebSummit. O que é que representa para Cabo Verde ser reconhecido e ter esta visibilidade?

É uma visibilidade que é ganha pela aposta do governo. Temos ganho continuamente visibilidade graças àquilo que são as conquistas das nossas startups. Os rankings internacionais mostram isso mesmo. Nós também este ano fomos convidados para ter um espaço para falar, para ser orador, junto do ministro de Marrocos para falar sobre as oportunidades dos ecossistemas e as interseções entre políticas públicas e economia digital. E este é o reconhecimento da comunidade internacional da tecnologia nas nossas startups e naquilo que temos vindo a fazer no nosso país. Anunciámos uma importante parceria com a Microsoft, um gigante tecnológico onde vamos ter cada vez mais inteligência artificial ao serviço da educação, ao serviço dos servidores públicos também, para que depois os cabo-verdianos possam ter uma melhor qualidade de vida e possam também, como eu disse, serem atores e não só espetadores deste mundo em mudança.

A prova de que esta presença contribui para a internacionalização das startups cabo-verdianas.

Sim, com toda a certeza. Estamos aqui a falar de startups cabo-verdianas que conectam com os melhores, estão sempre em contacto com o que melhor se faz no mundo e a nossa presença aqui também tem muita visibilidade. Também estivemos presentes na The Next Web na Holanda, estivemos na HumanTech em Paris, um evento sobre tecnologia para meninas e mulheres. Estivemos no GITEX, em Marrocos. Ou seja, nós queremos antecipar as tendências, queremos dizer presente nestes palcos internacionais e com toda a certeza isto vai fazer a diferença no futuro dos nossos jovens e no futuro do nosso país.

Referiu-se ao facto de ter participado no Painel sobre Ecossistemas de Inovação, no qual participou ao lado de Marrocos, descreveu as políticas públicas e o investimento que têm sido implementadas em Cabo Verde para apoiar a inovação e o desenvolvimento digital. Como é que estas iniciativas podem ajudar a atrair mais investidores e parcerias internacionais?

O dever do governo deve ser este: criar as infra-estruturas certas, formar as pessoas, capacitar cada vez mais jovens e depois de ter uma legislação que pode atrair mais empresas de tecnologias a estabelecerem-se em Cabo Verde. Já temos várias empresas internacionais que estão a trabalhar em Cabo Verde com talento cabo-verdiano, queremos continuar a fazê-lo e nós somos pequenos, mas queremos ser relevantes neste mundo que está em mudança. A nossa pequenez permite nos ser também mais ágeis, mais flexíveis. Acho que isto é uma vantagem para um pequeno Estado insular como Cabo Verde.

Com um aumento do número de startups tecnológicas em Cabo Verde. Qual é que tem sido o impacto da plataforma GO Global na promoção de empresas do país, no cenário internacional?

Esta nossa presença faz com que a gente tenha mais visibilidade e por isso é que eu fiz referência os rankings internacionais, onde Cabo Verde começa a figurar, pela primeira vez, nos rankings internacionais do sector privado por aquilo que é feito na área da governação eletrónica no país. Nos últimos anos, nos últimos seis, sete anos, temos feito uma aposta directa no empreendedorismo de base tecnológica, uma aposta reforçada na área da formação, faz com que o país consiga conquistar cada vez mais postos relativamente àquilo que são os rankings de inovação. Continuamos a subir nestes rankings. Óbvio que nós contribuímos para os rankings, mas é um reconhecimento bom e é aquilo que temos feito é conseguir este reconhecimento através de todos os esforços do governo, mas também das nossas startups. Elas é que são a razão também da nossa subida neste ranking.

Fez referência ao facto de o governo cabo-verdiano ter investido na transformação digital. Pergunto-lhe quais é que são os próximos passos para fortalecer ainda mais o ecossistema digital e garantir que as startups e as empresas cabo-verdianas se integrem de forma sustentável no mercado global?

O próximo ano será fundamental porque teremos a abertura oficial, que já está em funcionamento, mas teremos a abertura oficial do nosso parque Tecnológico. O portal consular que foi uma referência este ano para os cabo-verdianos porque puderam aceder aos serviços consulares através do seu telemóvel ou do seu computador. No próximo ano vai ser expandido para todos os cabo-verdianos, não só os que vivem fora de Cabo Verde.Estes são dois momentos marcantes: A questão do portal Consular ser um portal digital para todos os cabo-verdianos e o Parque Tecnológico para acolhermos mais empresas tecnológicas internacionais para desenvolvermos mais talento nacional e apoiarmos a que os jovens cabo-verdianos possam criar as suas próprias empresas e sermos uma referência, como disse, para conquistarmos aquilo que é o nosso objectivo, que é ser uma referência na costa ocidental africana. Nós somos Cabo Verde, as ilhas Tech da costa ocidental africana.

Fala deste portal consular, em que medida é que ele pode ser inovador e o que é que pode acrescentar? 

Ele é inovador excatamente porque coloca todos os serviços públicos ao serviço dos cidadãos através de um clique. Eu acho que nós temos de centralizar esta ideia, que as pessoas têm que se deslocar a redes físicos para ter acesso a serviços que são os serviços dos cidadãos. Nós temos que fazer fazer isso. Então, uma nação arqueológica como Cabo Verde, mas também uma nação diaspórica já deu o espaço. Agora é o tempo de nós colocarmos cabo de qualquer ilha, desde Santo Antão à Brava, para poder ter acesso a estes serviços digitais e poder fazer uso daquilo que são os seus direitos enquanto cidadão.

O tema principal da edição deste ano da Web Summit foi a inteligência artificial, a A.I., com vários sub temáticas como a regulamentação, a durabilidade, as questões éticas?

Acho que estamos cada vez mais a falar do impacto que a inteligência artificial pode ter na vida das pessoas, mas acho que temos que a narrativa tem que passar de medo para oportunidade. Senti isto este ano com várias empresas a apresentar várias soluções tecnológicas que utilizam a inteligência artificial ao serviço das pessoas. Houve uma mudança fundamental na perspectiva em que a inteligência artificial se apresenta cada vez mais como uma oportunidade. Acho que temos que ver isso mesmo: As pessoas andam com receio da inteligência artificial, mas um pequeno país como Cabo Verde, por exemplo, deve ver a inteligência artificial como uma grande oportunidade. Acho que esta é a grande oportunidade para um pequeno Estado insular, a de aproveitar a inteligência artificial para fazer um Leap Frog. Para nós, a mensagem é clara: Não há que ter medo, jhá que agarrar a oportunidade da inteligência artificial multiplicar e desenvolver o nosso país através desta ferramenta.

Esta edição da WebSummit decorreu uma semana depois da eleição de Donald Trump à presidência norte-americana. Durante este evento falou-se, debateu-se sobre as questões das representações das empresas tecnológicas norte-americanas com esta reeleição, de Donald Trump?

Vamos esperar para ver. Eu acho que os Estados têm, os cidadãos têm o direito de votar em quem entender melhor. Os Estados Unidos elegeram o Presidente Donald Trump como o Presidente da América, vão ter que se adaptar. Mas também acredito que o Presidente americano queira criar riqueza no seu país e as empresas americanas actuam em mercados globais. Por isso acho que as coisas não vão mudar nesse sentido. Óbvio que o mundo vai ficar cada vez mais definido por blocos políticos, mesmo na área do digital, mas isso faz parte da realidade do nosso mundo. Nós, enquanto Cabo Verde, sabemos quais são os valores que nós defendemos e não abdicamos deles. Por isso é que o nosso país também é reconhecido pela nossa estabilidade democrática, pela dignidade humana e pelo desenvolvimento da educação e da economia e com o foco na sustentabilidade. A partir daí é preciso percebemos como é que podemos, como eu disse, ser actores deste mundo em constante mudança.

A Web Summit decorreu entre os dias 10 e 13 de Novembro, em Lisboa, e reuniu mais de 70.000 participantes, 1000 investidores e um número recorde de 2750 startups.

CEDEAO "ou se reforma ou cai na desgraça e desaparece"
16 December 2024
CEDEAO "ou se reforma ou cai na desgraça e desaparece"

Os líderes da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental reuniram-se, neste domingo, 15 de Dezembro, em Abuja, na Nigéria, com as questões de segurança e a saída do Burkina Faso, Mali e Níger a marcarem a agenda da organização. A CEDEAO deu um prazo de seis meses, até 29 de Julho de 2025, aos três países para reconsiderar a saída da organização e anunciou ainda a criação de um tribunal especial para julgar os crimes cometidos na Gâmbia sob o regime de Yaya Jammeh. Em entrevista à RFI , Daniel Medina, analista político de Cabo Verde, reconhece que a CEDEAO vive um momento de crise grave, sublinhando que está mesmo em causa a sobrevivência da organização.

Quais são as principais conclusões desta cimeira da CEDEAO?

As grandes conclusões apontam para uma instabilidade - um momento de crise grave - que só com muita diplomacia será possível ultrapassar-se. Este é um momento perturbador, talvez dos momentos mais dramáticos desde a criação da CEDEAO. Ou haverá uma reformatação para acabar com as nuances e as leis, para que as ambições de todos sejam cumpridas, ou então [a organização] poderá cair na desgraça e desaparecer.

Este desmoronamento está ligado à saída do Mali, Burkina Faso e do Níger?

De certa forma, sim. Mas há outras nuances paralelas. Por exemplo, nós temos o caso da Guiné-Conacri, que continua a ser governada por um grupo militar. Os outros três - Burkina Faso, Mali e Níger - também estão a ser governados por grupos [militares]. Tivemos até há pouco tempo, as coisas neste momento melhoraram sensivelmente, instabilidade política no Senegal e a Guiné-Bissau continua a viver uma tensão que nós não sabemos caracterizar e não sabemos até quando vai persistir. 

Quer dizer que há nessa zona um elemento desestabilizador que tem a ver tanto com a perspectiva do passado, como com a não aceitação das directivas da CEDEAO. Além daquilo que todos nós já conhecemos, acrescenta-se a parte que tem gerado essa crise, que é a dos extremistas islâmicos que estão cada vez mais naquela zona da CEDEAO.

Têm sido muitas as críticas feitas à liderança da CEDEAO, nomeadamente da organização ter dois pesos e duas medidas….

Isso tem alguma relatividade, mas é verdade. De há uns tempos a esta parte, a liderança não é assim tão boa e as partes sentem-se no direito de não respeitar certas directivas. [A organização precisa] de novas perspectivas fundacionais.

Essas mudanças estruturais passariam por que tipo de reformas?

São desafios enormes e cada país deve dar o seu contributo, defendendo também que devem ser reforçadas as instituições dos diferentes países para que se tenha uma boa governança. Ou seja, respeito pela democracia e salvaguarda do Estado de Direito.

No caso da Guiné-Bissau, por exemplo, são conhecidos os atropelos à Constituição, as denúncias de violações dos direitos humanos, as perseguições políticas, mas a CEDEAO acaba por não tomar uma posição relativamente ao país….

Essa é uma boa pergunta. Tocar, neste momento, no caso da Guiné-Bissau, poderá espoletar uma outra possível saída. A Guiné-Bissau tem prenúncios de estar ligada a determinados factores económicos e também ao narcotráfico. Atacar, entre-aspas, a Guiné-Bissau, pode significar que ela não é bem-quista.

Ao mesmo tempo, mostra a fragilidade de uma organização que acaba por ficar refém deste tipo de situações…

Naturalmente que nós todos sabemos que a CEDEAO não está forte. Essa fraqueza é demonstrada nas cimeiras e quando não se fala do Senegal, da Guiné Conacri e só se fala desses três países - Burkina Faso, Mali e Níger, que dizem que não se voltam a sentar à mesa para negociações - apesar da mediação que possa ser feira pelo Presidente do Senegal -  as expectativas não são as melhores. Salvo se acontecer algum milagre.

Burkina Faso, Mali, Níger anunciaram a criação da "Aliança dos Estados do Sahel". O que se pode esperar em termos de luta contra o jihadismo, nesta região onde os jihadistas ganham terreno? A saída destes três países pode também ter consequências políticas?

Partimos do princípio de que quantos mais países tem uma organização, mais forte é a estrutura. Por isso, a saída destes países e a criação desta Aliança não os favorece, salvo se esta nova organização se posicionar como uma frente bélica para atacar o Jihadismo. Porém, três países não vão conseguir vencer essa luta que não diz respeito apenas à África Ocidental, mas sim ao continente africano no seu todo.  

Esta aliança dos Estados do Sahel pode vir a ser uma concorrente da CEDEAO?

Penso que não. Salvo se outros países que estão nessa situação - com tentativas de golpe de Estado, com uma democracia que não é democracia - quiserem fugir da alçada da CEDEAO e integrarem esta nova organização do Sahel. Mas é tudo uma incógnita em ambos os lados.

A CEDEAO é uma organização que é económica, a saída destes três países terá um impacto na questão da livre circulação de pessoas e bens?

Existem protocolos sobre todas essas matérias, o próprio tratado foi revisto em 1993 e prevê os mecanismos para desvinculação. Nenhum Estado é obrigado a ficar eternamente vinculado a um contrato, mas parece-nos que, apesar da posição reafirmada pelos Governos que perpetraram os golpes de Estado nesses países, haverá ainda espaço para o diálogo e para se encontrarem soluções que evitem a total implosão da CEDEO.  

A CEDEAO anunciou a criação de um tribunal especial para julgar os crimes cometidos na Gâmbia entre 1994 e 2017 sob o regime do ex-ditador Yaya Jammeh. Esta decisão chega a tempo?

Sim, chega a tempo e previne que hajam cenários desta natureza noutros Estados próximos. Nós não devemos esquecer o que se passou e devemos responsabilizar quem prevaricou. Neste caso, penso que esta decisão vem a tempo para haja respeito pelos direitos humanos e pela democracia.

TACV quer expandir ligações aéreas e reforçar mobilidade inter-ilhas
13 December 2024
TACV quer expandir ligações aéreas e reforçar mobilidade inter-ilhas

A Transportadora Aérea de Cabo Verde (TACV) quer aumentar a frequência de voos entre Cabo Verde e Paris, com a possibilidade de um segundo voo semanal. O Presidente do Conselho de Administração, Pedro Barros, destaca a competitividade com companhias de baixos custos, oferecendo mais serviços; como o transporte de bagagens e ligações inter-ilhas, em colaboração com uma nova companhia aérea nacional.

RFI: Como correu o encontro com parceiros e associações cabo-verdianas em Paris para reforçar o voo semanal para Paris?

Nós temos um voo para Paris, um voo semanal, e a nossa ideia é aumentar o número de voos, pelo menos para fazer mais dois ou três voos. Para que isso aconteça é preciso que haja passageiros e para haver passageiros é preciso que os nossos parceiros participem nisso, consigam angariar potenciais passageiros, angariar pessoas que querem ir a Cabo Verde, tanto turistas como membros da comunidade cabo-verdiana. E o que é que viemos cá fazer, viemos justamente falar com eles e fazer a promoção no sentido de aumentar a procura e para podermos ter um novo voo. No fundo, foi um evento que correu muito bem, reunimos com dezenas de parceiros, entre os quais operadores, associações e individuais, que não são propriamente empresas. Saímos de lá satisfeitos porque foi uma oportunidade para verificarmos e para prestar algumas informações e esclarecimentos que se mostraram necessários. 

Esse aumento do número de voos vai realmente acontecer, vai ser possível? Que parceiros são esses e como é que até a TACV se posiciona relativamente à concorrência, sabendo que recentemente a companhia aérea low cost Easyjet começou a voar para a Ilha do Sal, por exemplo?

Efectivamente, a Easyjet começou voar para a ilha do Sal, a partir de Portugal, do Porto e de  Lisboa. Nós temos uma vantagem, como sabe, o low cost tem restrições em termos de malas, coisa que nós não temos. Ou seja, podes levar malas, mas paga se mais e pagando mais, se calhar fica até mais caro do que um voo normal da TACV. E, além disso, nós fazemos a ligação com todas as ilhas, as duas ilhas da Brava e do de Santo Antão, que não tem aeroportos, mas o resto fazemos as ligações, coisa que a Easyjet não faz. Essa é a diferença. Além disso, também o facto de nós termos uma ter um voo que não é um que não seja low cost, isso permite é transportar malas. Como se sabe, os cabo-verdianos não andam sem mala é turistas, sim, mas os membros da diáspora da comunidade cabo-verdiana tem sempre encomendas, tem sempre alguma carga a levar que já não é possível com voos low cost. 

A sua preocupação é a diáspora cabo-verdiana aqui em França?

Neste momento, em relação a Paris é a diáspora, também turistas, mas sobretudo a nossa diáspora, que precisa visitar os familiares, que precisa ir a Cabo Verde. Nós estamos convencidos de que, havendo algum empenhamento dos nossos parceiros, e por isso tivemos que a fazer esta promoção e esta sensibilização, conseguiremos nos próximos meses. Estamos a contar que se calhar já em Dezembro vamos ter um segundo voo. 

Desde que assumiu a presidência da TACV, a companhia tentou adaptar-se e está a tentar adaptar-se a novas realidades de mercado e melhorar a sustentabilidade. Que desafios enfrenta hoje a companhia aérea de Cabo Verde? 

Estamos com uma missão muito clara: estabilizar os voos internos ou inter-ilhas e melhorar a conectividade internacional. Essa vinda a França e essa visita agora a Paris tem a ver exactamente com essa tal melhoria da conectividade internacional. E a melhoria também significa aumentar o número de voos. E também foi a oportunidade para recebermos reclamações e percepções que as pessoas têm e esclarecer algumas outras questões que surgem com os voos, de modo que sejamos cada vez mais eficazes e possamos corresponder àquilo que os passageiros querem, aquilo que a comunidade cabo-verdiana, a comunidade que viaja. 

Empresa enfrentou dificuldades financeiras, exigindo uma contínua adaptação e modernização. Embora o processo de privatização e modernização tenha sido bem-sucedido ou parcialmente bem-sucedido, os resultados e o impacto da gestão da TACV depende da implementação de estratégias a longo prazo. Quais são estas estratégias e de que forma é que está empenhado na modernização da TACV? 

Como sabe, o negócio da aviação civil é um negócio de capital intensivo, portanto, é preciso sempre ter alguma capacidade financeira. E nós, como o nosso accionista maioritário, é o Estado. Daí o Estado não tem muito dinheiro, mas tem o dinheiro suficiente para fazer os investimentos necessários. A TACV está alinhada com aquilo que é o objectivo do governo ou que é a estratégia do governo: de transformar a ilha do Sal no hub internacional. Portanto, a nossa estratégia e o nosso objectivo no desenvolvimento das actividades estão alinhadas com essa estratégia do governo. O que tencionamos fazer no próximo ano é adquirir mais uma aeronave, pelo menos mais uma, com preocupações de sustentabilidade ambiental. Neste momento, já temos uma aeronave nesse sentido e a ideia de ter aeronaves e ter aparelhos que têm essa preocupação e os investimentos vão sendo feitos à medida que forem necessários, à medida que tenhamos necessidade de aumentar o número de voos, aumentar rotas.

Estamos a prever atingir algumas cidades da África Ocidental. Estamos a prever expandir também na Europa e temos um objectivo mais a médio prazo, que é de fazer voos para os Estados Unidos e para o Brasil. Temos a maior diáspora cabo-verdiana está nos Estados Unidos. Há quem diga que seja o dobro da população carcerária, mas seguramente ultrapassa os 750.000 cabo-verdianos de origem cabo-verdiana. Portanto, é uma comunidade demasiado expressiva para não ser levado em conta. 

Uma das preocupações dos cabo-verdianos é precisamente a mobilidade inter-ilhas. Quais são as estratégias para tornar a TACV mais competitiva no mercado cabo-verdiano? 

A mobilidade inter-ilhas é fundamental e até diria que é uma questão de soberania. Daí também a razão que levou o governo a criar uma companhia para se ocupar apenas da mobilidade dos cabo-verdianos entre as ilhas, uma nova companhia aérea que se vai ocupar do transporte doméstico. Enquanto esta nova companhia não estiver operacional, a TACV vai continuar a fazer esse serviço de transporte, mas logo que estiver operacional passaremos a operação para essa nova companhia. Enquanto isso não acontecer, vamos fazer uma coisa muito simples: aumentar a disponibilidade de lugares - significa contratar novas aeronaves - estamos a pensar reforçar já em dezembro, com mais uma unidade, passaremos a operar com quatro e pequenas aeronaves. Se não forem em Dezembro, em Janeiro, seguramente que teremos quatro aeronaves para fazer essa ligação, que em princípio, deverá satisfazer a procura de voos entre as ilhas. E à medida que surgirem necessidades, vamos aumentar a nossa capacidade de oferta. 

Qual é a sua visão que tem para a empresa nos próximos anos e para o sector da aviação no país?

Cabo Verde, por ser dez ilhas e nove habitadas no meio do Atlântico, tem que ter ligação com o mundo e a ligação com o mundo só pode ser via aérea e até a TACV é a companhia nacional, a companhia de bandeira que faz essa ligação. Nos próximos anos, estou certo de que seguramente quer numa estratégia de privatização, quer sem a privatização, até a TACV vai estar sempre no centro da política do governo ou da política de qualquer governo que estiver no poder, no sentido do desenvolvimento do país. Não se pode desenvolver o país sem ter uma conectividade internacional. E essa conectividade pode ter várias nuances, mas passará sempre pela TACV, uma companhia que venha a substituir a TACV. E se a TACV tiver outra configuração que é a que tem actualmente e que tem atualmente, tem como esse grande objectivo como essa grande missão ligar Cabo Verde ao mundo. 

Falava da possibilidade da TACV garantir um segundo voo semanal entre França e Cabo Verde. Para quando? 

Para muito brevemente. O segundo voo para Paris poderá acontecer ainda no mês de Dezembro. Vai depender muito da procura que se registar. Tendo a procura, nós faremos isso. Creio que já nas próximas semanas, decidiremos exactamente quando é que fazemos isso.

Documentário francês recorda jogo duplo de Salazar na Segunda Guerra Mundial
12 December 2024
Documentário francês recorda jogo duplo de Salazar na Segunda Guerra Mundial

O filme “Salazar - Le Portugal à quitte ou double”, de Bruno Lorvão e Christiane Ratiney, que vai ser difundido no canal France 5, a 22 de Dezembro, recorda o papel de Portugal durante a Segunda Guerra Mundial e como é que Salazar mantinha relações diplomáticas e comerciais tanto com Winston Churchill quanto com Adolf Hitler. Bruno Lorvão falou-nos sobre "o país esquecido na Segunda Guerra Mundial" e como o conflito permitiu a Salazar consolidar a ditadura que viria a ser a mais longa da Europa.

RFI: O filme chama-se “Salazar - Le Portugal à quitte ou double”. Queria que nos explicasse o título e a partir daí fizesse um pequeno resumo do filme...

Bruno Lorvão, Realizador: "O título está ligado ao póquer, ao jogo de cartas, e em português pode-se-ía traduzir por tudo ou nada. A situação de Portugal era uma situação rara no continente europeu, era um país que conseguiu ter relações comerciais e políticas com os dois blocos que se enfrentavam. É um país esquecido na história da Segunda Guerra Mundial e esse papel de neutralidade teve alguma importância no decorrer da guerra."

Porque decidiu fazer um filme sobre Salazar, o homem que implementou a ditadura mais longa da Europa? Não é, de certa forma, dar palco a um ditador?

"É dar chaves de compreensão sobre o que se passou naqueles anos em Lisboa e em Portugal. É uma história desconhecida fora de Portugal e muito pouco conhecida em Portugal. Por isso, são duas boas razões para contar essa história e para sabermos mais sobre o nosso país e sobre a história de Salazar também."

Contou-me, nos bastidores, que é um dos primeiros filmes que fala especificamente sobre este tema. Quer explicar-nos?

"Exacto. Há um filme documentário só de arquivos chamado “Fantasia Lusitana” que é um filme muito bonito que fala de Lisboa durante a Segunda Guerra Mundial e, de alguma forma, também de Salazar. O nosso é inédito pelo facto de, pela primeira vez, um filme ir buscar o trabalho histórico feito pelos historiadores e tenta sintetizar esses cinco anos de história de Lisboa durante a Segunda Guerra Mundial, que é uma história de diplomacia, uma história de relações económicas, uma história complexa que não foi nada fácil de sintetizar em 52 minutos com a Christiane Ratiney. É um filme que vale a pena quando nos interessamos pela Segunda Guerra Mundial. Vale a pena descobrir."

O filme tem imagens de arquivo, ilustração, fotografias… Sabendo que Salazar era conhecido como um ditador austero que fugia das câmaras, de onde vêm estas imagens e como é que construíram este documentário?

"Grande parte dos arquivos vêm da Cinemateca Portuguesa e das produções do Estado Novo, dos boletins informativos que eram da propaganda. E aí encontramos as poucas imagens de Salazar, de Carmona, que era o Presidente da República na época, e fomos buscar alguns arquivos à BBC, e alguns arquivos privados.

É um filme feito com 100% de arquivos, mas tivemos que recorrer à animação para entrar no escritório de Salazar, no Palácio de São Bento, a residência oficial dos primeiro-ministros. E aí desenhámos um Salazar, inventámos um Salazar, um escritório como era naquela época, para podermos contar aquela pressão que Salazar teve durante estes três, quatro anos e que são chaves para perceber a duração de Salazar nos 30 anos que se seguiram. Ou seja, se Salazar chegou até ao fim dos anos 60 ileso, foi graças, em grande parte, ao papel que ele teve na Segunda Guerra Mundial."

Quais são os principais factos que vocês contam no documentário e que, como dizia, não são assim tão conhecidos? Como é que Salazar conseguiu fazer este jogo duplo com os Aliados e com a Alemanha nazi?

"Factos há vários. Há fases. A primeira fase é a fase dos refugiados, várias dezenas de milhares de refugiados que chegaram a Portugal e a Lisboa, que tiveram um impacto forte, muitos deles judeus. Um outro facto é que Portugal tinha volfrâmio, que era um mineral importante para a indústria militar alemã, e as minas mais importantes de volfrâmio na Europa do Oeste eram em Portugal. A partir daí, a Alemanha precisava de Salazar e de ter relações económicas com Salazar. Depois houve outro tema que era que Franco ameaçou invadir Portugal.

Salazar foi jogando aquele jogo, sendo Portugal o mais velho aliado dos ingleses e o regime sendo de cultura fascista - que tinha relações com Franco, Mussolini e Hitler - ele foi ali tendo relações com as duas frentes."

No início do filme, a narradora conta que em Junho de 1940 Salazar sabe que a independência de Portugal está ameaçada porque o país é só um peão no tabuleiro das grandes potências, numa altura em que a Europa está a ferro e fogo e só Churchill resiste ainda a Hitler. Salazar, ditador fascista mas aliado histórico de Inglaterra, acaba por transformar esta fragilidade numa força…

"Também vemos que Lisboa é a única capital do mundo onde temos alemães e ingleses e onde se pode apanhar um avião - se as pessoas tiverem boas relações, claro - de Berlim até Lisboa, passando por Barcelona e depois apanhar um avião de Lisboa até Londres."

Como é que isso acontece e até que ponto é que realmente Portugal foi neutro? Que neutralidade era esta?

"A neutralidade é muito relativa, mas Salazar percebeu que nem os Aliados nem o Eixo queriam abrir uma nova frente militar porque abrir uma frente militar na Península Ibérica era pedir um esforço a mais às estruturas militares de cada uma das frentes. A partir daí, Salazar sabia que tinha ali um espaço de negociação com Hitler e com Churchill. A única preocupação que ele teve foi com Franco nos primeiros meses. Salazar não deixa de ser uma personagem intrigante na maneira como ele conseguiu organizar este papel bem particular de Portugal durante a Segunda Guerra Mundial."

Voltemos aos cerca de 20.000 refugiados europeus que chegam a Portugal. No filme, contam que Lisboa era “uma sala de espera a céu aberto” de milhares de pessoas que esperavam ir para a América.  Lisboa era mesmo considerada “o último porto livre da Europa”, mesmo com os portugueses sob o jugo fascista?

"Sim, era, e o que foi interessante foi o encontro desses dois mundos: um Portugal ainda com dois pés no século XIX e uma burguesia - porque muitos dos refugiados eram pessoas que tinham dinheiro - com senhoras que tinham o cabelo desfeito, umas saias um bocado curtas. Houve ali um encontro de dois mundos... E essas questões de moralidade foram de alguma preocupação para o regime conservador de Salazar."

Isso não foi um “murro no estômago” para os portugueses que, de repente, viram aquele outro mundo mais aberto? Como é que isso não abalou a ordem social e moral em Portugal?

"Salazar conseguiu porque tinha a polícia política ao seu lado e tinha a Legião Portuguesa também e os militares, de alguma forma, com ele. Mas não deixa de ser verdade que nestes anos de guerra, graças aos refugiados, pela questão cultural e, de certo modo, pela liberdade que trouxeram à cidade de Lisboa, as pessoas descobriram o que era ser moderno. Houve também revoltas de fome no país, no fim da guerra, ou seja, os anos de guerra em Portugal que aparecem como anos de estabilidade, afinal foram anos de grande tensão e de alguma instabilidade para o regime de Salazar."

No filme contam que Lisboa era considerada “a nova cidade-luz”. Porquê?

"Nessa altura havia actores alemães, havia actores americanos, franceses, escritores ingleses que vinham passar férias em Portugal. As pessoas ligadas a Hollywood para irem para Londres tinham que passar por Lisboa. Ou seja, apanhavam um avião transatlântico que fazia uma escala nos Açores. Depois paravam em Lisboa e em Lisboa apanhavam outro avião. Então Lisboa era o centro nevrálgico que ligava Londres aos Estados Unidos e, a partir daí, todas as vedetas do mundo do cinema europeu e do cinema americano, muitas, passaram por Lisboa."

Queria que voltássemos ao alegado projecto de invasão espanhola de Portugal, apoiado por Hitler para enfraquecer Churchill. Que plano foi este e como é que Salazar o consegue contornar?

"Havia a chamada “Operação Félix”, que era uma operação para pôr a mão no estreito de Gibraltar, onde havia uma base britânica. Mas entrar em Gibraltar implicava invadir Portugal, mesmo Portugal sendo um país fascista. A partir daí, alguns membros do governo de Franco pensaram seriamente em invadir Portugal e foram para Berlim ver se Hitler apoiava o projecto. Não foi por muito que escapámos a uma nova invasão dos nossos queridos irmãos ibéricos…"

Qual foi a estratégia de Salazar?

"Salazar conhecia muito bem a situação em Espanha e explicou a Churchill que os espanhóis estavam a passar fome e que Franco estava à rasca, não tinha como alimentar a população, mas que se lhe desse trigo, safava-se com a Península Ibérica e com Franco. Enquanto desse trigo, Franco não podia ir contra Portugal e como Hitler não ajudou Franco como Franco queria, a partir daí a situação estabilizou."

Vocês abordam, ainda, a batalha do Atlântico e o papel dos Açores. Qual foi o papel dos Açores e como é que os Açores serviram de moeda de troca para assegurar a sobrevivência da ditadura portuguesa depois da guerra?

"Os Açores foram o trunfo final de Salazar e a carta maior de Salazar durante a Segunda Guerra Mundial, aquela que ele usou mesmo no último instante da guerra. Ele sabia que os Aliados precisavam dos Açores para estabilizar o Atlântico Norte, com os u-boots alemães que afundavam barcos aliados e precisavam dos Açores para fazer uma ponte aérea para fornecer Inglaterra em homens e armamento, etc. Ele negociou esta carta durante três anos e só autorizou os ingleses e depois os americanos instalarem uma base nos Açores nos momentos finais da guerra, quando Salazar ainda negociava volfrâmio com Hitler e fazia comércio com Hitler.

Depois, houve ali um momento em que os Estados Unidos já não podiam com Salazar, ameaçaram depô-lo e contactaram a filha do Presidente Carmona para ver se havia uma maneira. Então, Salazar percebeu que já não podia esticar a corda e autorizou a instalação dos britânicos e depois dos americanos nos Açores. Hitler morre, a guerra acaba e ele sai completamente ileso dessa Segunda Guerra Mundial e até sai reforçado. Ou seja, a guerra permitiu a Salazar instalar de vez o Estado Novo."

Este é o seu segundo filme difundido este ano na televisão francesa, no ano do cinquentenário da Revolução dos Cravos. O primeiro foi “La Révolution des Oeillets”, agora este sobre Salazar e a Segunda Guerra Mundial. Porquê apostar na história portuguesa contemporânea para um público francófono?

O meu combate é sempre o mesmo. Somos um país pequenino, com uma produção audiovisual que produz coisas, mas que não tem os meios da produção francesa, a qual tem alguma abertura que permite contar histórias que não são histórias unicamente francesas. Com os mais de um milhão de franco-portugueses que há neste país, há um espaço para falar da história de Portugal aqui em França e também para os portugueses. Haverá outros projectos, com certeza, e agradeço à France Télévisions e ao sistema audiovisual francês por nos permitir produzir este tipo de projectos, porque projectos feitos só de arquivos são  complicados e só se podem fazer em boas condições.

Câmaras térmicas, análises de ar e aspersores: o plano de segurança anti-incêndio em Notre Dame
10 December 2024
Câmaras térmicas, análises de ar e aspersores: o plano de segurança anti-incêndio em Notre Dame

O incêndio na Catedral de Notre Dame, em Paris, escreveu um novo capítulo na prevenção e combate aos incêndios em locais históricos em França e no Mundo. Em entrevista à RFI, Alain Chevallier, o conselheiro de segurança de incêndio do Património no Ministério da Cultura francês, detalhou como se protege agora esta Igreja-mãe renascida das cinzas.

Mais de cinco anos depois, não se conhece a causa do incêndio da Catedral de Notre Dame. Isso, segundo o conselheiro de segurança de incêndio do Património no Ministério da Cultura francês, Alain Chevallier, é um assunto que pertence à justiça, já que o inquérito continua para apurar as causas e levar à barra dos tribunais os responsáveis. No entanto, coube a este antigo bombeiro de Paris e especialista no combate aos riscos de incêndio, assegurar que o que aconteceu em 2019 não se voltará a passar. E Alain Chevallier recorreu a todas as tecnicas desde câmaras térmicas a mecanismo de análises de ar para assegurar que Notre Dame não voltará a arder.

No início da entrevista a RFI perguntou a este especialista se havia novidades no inquérito judicial quanto às causa do incêncio de há cinco anos.

RFI: Sabemos o que aconteceu de certeza há cinco anos?

Alain Chevallier: Não é possível responder a esta pergunta porque está a decorrer uma investigação judicial, portanto não posso comentar sobre o inquérito. Mas mesmo com o Ministério Público a investigar, tivemos do nosso lado de efectuar uma análise de risco para podermos trabalhar na reconstrução da Catedral de forma a decidirmos quais os elementos estruturais que iríamos introduzir para reconstruir este edifício de forma idêntica e tivemos de partir de alguns dados adquiridos. Assim, trabalhámos com o INERIS, o Instituto Nacional de Ambiente Industrial e de Riscos, e baseámo-nos no cenário principal possível para o início do incêndio em Notre Dame: a possibilidade que tenha tido início no quadro electrico junto à estrutura em madeira no alto da Catedral. Não quer dizer que tenha sido isso que aconteceu, mas pareceu-nos ser o cenário mais provável e, por isso, a primeira medida foi retirar os quadros eléctricos de lá.

Mas sabemos onde começou o incêndio.

Sabemos que o incêndio começou perto do pináculo, mas depois disso, mais uma vez, cabe aos peritos judiciais investigar. No entanto para tomarmos decisões sobre o futuro da segurança incêndio da Catedral tivemos de assumir que o quadro eléctrico foi uma fonte de problemas.

Como é que se leva a cabo esta investigação e quais são as grandes dificuldades?

De acordo com a minha experiência, depois de tudo ter ardido, porque toda a secção superior da Catedral ardeu, é muito complicado provar como é que o incêndio teve realmente início. Dada a importância internacional deste incêndio e repercurssão que teve, torna-se ainda mais difícil provar onde é que ele iniciou. Não estou a ver como é que um juiz pode dizer alguma coisa sem ter provas materiais irrefutáveis. 

Quais são as medidas tomadas para evitar um novo incêndio nesta Catedral renovada?

É preciso ter em conta que trabalhamos com vários riscos, uma situação que enfrento em todas as catedrais em que trabalho, uma vez que sou conselheiro de segurança do património e responsável por 45 catedrais em França, incluindo Notre Dame. Começamos sempre por aquilo a que chamamos o risco de eclosão, ou seja, o que podemos fazer para evitar o início de um incêndio. A primeira coisa que fizemos para evitar um incêndio foi remover todos os painéis eléctricos numa área que não é acessível, que não é de fácil acesso e que não recebe muitas visitas. Na melhor das hipóteses, eram necessários 5 a 10 minutos para chegar ao suposto local de um incêndio na estrutura do tecto de Neotre Dame. No entanto, isso não nos protege de erros humanos que possam ocorrer daqui a 30, 40 ou 50 anos durante um período em que haja obras na Catedral. Mas vamos assumir que, mesmo assim, sem painéis eléctricos, o fogo começa. Vamos então prevenir o risco de deflagração, vamos tentar impedir o risco de o fogo se desenvolver e de se propagar. Assim, para limitar esse risco, decidimos aumentar a espessura das ripas de madeira, trata-se de placas de madeira por baixo das placas de chumbo no telhado. Aumentámo-las de 27 para 40 milimetros porque os bombeiros de Paris acharam que era necessário. Já que é um sítio onde eles precisam de um certo tempo para lá chegar, o receio era que, se houvesse um novo incêndio, o fogo voltasse a trespassar o telhado, o que acelera as combustões já que o ar é combustível para o fogo. De seguida investimos em grandes sistemas de detecção. Adicionámos câmaras de imagem térmica e o objectivo é que o departamento de segurança contra incêndios no andar de baixo possa ver imediatamente se há detecção, onde está e qual a sua importância. Foram instaladas 49 câmaras em toda a Notre Dame. Existe também um sistema de detecção por multipontos, ou seja, tubos que percorrem toda a catedral e aspiram o ar a toda a hora, é silencioso e o ar está em constante análise. Assim, se encontrarem vestígios de carbono no ar, poderão emitir um aviso dizendo que o nível de carbono é demasiado elevado e, portanto, não é normal. Se tivermos um sistema de detecção duplo, este accionará automaticamente o sistema de extinção de incêndios, que acabou de ser instalado. Trata-se de um sistema de nebulização de alta pressão. A ideia não é apagar o fogo. A ideia é evitar que o fogo se propague e progrida. 

Estes são sistemas muito modernos. Eles já estão a ser utilizados noutros monumentos em França?

Quando começaram a falar connosco sobre a possibilidade de sistemas de extinção de alta pressão, fui pessoalmente a outros locais onde este sistema estava instalado para verificar o seu funcionamento. Assim, por exemplo, fui à recém-reaberta Ópera do Palácio de Versalhes, que tem o mesmo sistema. Falámos sobre isso e disseram-me que era bastante fiável. 

Quais é que foram as lições de Notre Dame e como é que se aplicam noutros monumentos?

Agora que estamos a começar a falar sobre o plano de segurança para as catedrais. É preciso compreender que este plano já existia antes do incêndio de Notre-Dame, mas é claro que o incêndio em Notre-Dame lhe deu um novo empurrão e fez com que o Ministério da Cultura acelerasse uma série de medidas. Portanto, havia um plano inicial, um plano de segurança reforçado para a catedral, que foi posto em prática no final de 2019, início de 2020 e nessa altura começaram a tentar implementar uma série de medidas e eu cheguei ao Ministério em 2021 e, em 2021, criámos um grupo de trabalho para ver exactamente em que ponto estávamos em relação às primeiras medidas. Isso permitiu-nos identificar algumas dificuldades e ver que havia novas técnicas disponíveis, como a instalação de sistemas de extinção automática. Assim, continuámos a melhorar o plano de segurança da catedral, acrescentando pontos como a possibilidade de instalar um sistema de extinção. Este sistema será também instalado na Catedral de Beauvais, pois sabemos que se trata de uma catedral particularmente alta e que um ser humano levaria quase dez minutos a subir lá acima para verificar se há fogo ou não. Por conseguinte, haverá um sistema de extinção de incêndios, tal como em Notre-Dame, com câmaras térmicas, tal como em Notre-Dame, para que possamos actuar rapidamente, se necessário. Agora, há outras soluções, outras coisas que pusemos em prática como parte do plano de segurança da catedral, que foi revisto em 2023. Por exemplo, instalámos aspersores automáticos nos quadros eléctricos nas catedrais onde não é possível retira-los. Se houver um incêndio e o dióxido de carbono foi detectado o fogo será extinto assim que começar. Estamos a proceder à sua instalação em todas as catedrais, pelo que penso que pelo menos 50% delas já estão equipadas. Por exemplo, uma das coisas que já existia era a instalação de compartimentação. Mas graças ao plano de recuperação, a compartimentação foi aumentada em muitas catedrais. Mas também aqui, como costumo dizer, não há duas catedrais iguais. Todas elas têm as suas particularidades. Por isso, mesmo que as regras digam que é preciso compartimentar, é preciso colocar colunas secas, ou seja, uma coluna seca é uma coluna ao longo do comprimento da catedral que os bombeiros podem usar para se abastecer de água. Ás vezes funciona, outras vezes não. A compartimentação pode funcionar, mas em alguns casos não funciona. Quanto ao sistema de segurança contra incêndios, bem, por um lado, vamos instalar um sistema multiponto, como está previsto para Notre-Dame e outras catedrais. Noutras catedrais, isso não é possível. Por exemplo, também considerámos isso nos campanários onde temos os sinos. Mas não podemos instalar um detector simples porque está aberto ao vento e, como está aberto a mais pequena partícula de poeira iria activá-lo. Por isso, colocámos câmaras. Assim, temos agora oito catedrais em França equipadas com câmaras nos campanários.

Há interesse por parte de outros países de aprenderem com o que se passou em Notre Dame e a vossa resposta desde 2019?

Participei num seminário em Florença, há dois meses, um seminário franco-italiano, onde fui falar de um outro assunto que ainda não abordámos, que é o dos planos de salvaguarda dos bens culturais, porque lhe falei há pouco do risco de eclosão, do risco de desenvolvimento, de propagação. Depois há, claro, a intervenção dos bombeiros. Por outras palavras, quando os bombeiros intervêm, o que é que lhes permite saber que têm de salvar prioritariamente um determinado quadro ou um determinado bem em detrimento de outro? Por isso é que criámos os planos de salvaguarda dos bens culturais. Estes planos estão no interior do edifício. Quando os bombeiros chegam, olham para esse plano e sabem imediatamente que esta ou aquela obra deve ser salva com prioridade. Fui a Itália para apresentar este plano. Vimos que os bombeiros italianos estavam a começar a interessar-se, porque lá isto não existe de todo. 

Como bombeiro, qual foi o sentimento quando viu que Notre Dame estava a arder em 2019?

Sim, estava em Estrasburgo, lembro-me muito bem. Estava a dar um curso na Escola Nacional de Administração, rodeado de professores especializados em gestão de catástrofes e de riscos naturais e que, acabaram por incluir desde então a questão dos planos de proteção dos bens culturais no curso de mestrado, porque sentiram quando se trabalha em crises, não se deve cuidar apenas da protecção das pessoas, mas também da protecção dos bens. Não posso esconder que foi um momento difícil para mim, porque comecei como tenente dos bombeiros de Paris em 1987, no mesmo sector de Notre Dame. A catedral era da minha responsabilidade na altura, quando eu era tenente. Depois tornei-me chefe de operações de todo o corpo de bombeiros e também tinha a catedral no meu sector. E, portanto, vê-la em 2019, quando eu já estava reformado, em chamas obviamente mexeu comigo. E quando me ofereceram o lugar em 2021, os bombeiros de Paris, apesar de eu estar reformado disseram-me: "Bem, quer continuar a trabalhar para o Ministério da Cultura?" Eu disse que sim, disse logo que sim. E por isso fiquei particularmente feliz por poder continuar a acompanhar a catedral. É algo que vou continuar a fazer nos próximos tempos, já que mesmo que tenhamos tido a inauguração as obras vão continuar até 2028. 

Terminou a “era de mais de 50 anos de família al-Assad no poder” na Síria
09 December 2024
Terminou a “era de mais de 50 anos de família al-Assad no poder” na Síria

A Síria vive um momento histórico com a queda de Bashar al-Assad, o homem que governou com mão de ferro durante 24 anos, depois de ter herdado o poder do pai, Hafez al-Assad, que tinha tomado o poder em 1970. O regime autocrático foi declarado oficialmente derrubado, após uma ofensiva das forças da oposição, que tomaram o controlo de Damasco nas primeiras horas de domingo. Ivo Sobral, coordenador de mestrado em Relações Internacionais na Universidade de Abu Dabi, falou-nos sobre os cenários em cima da mesa, as esperanças e os desafios do país perante o fim "de mais de 50 anos de família al-Assad no poder”.

RFI: A queda de Bashar al-Assad ocorreu menos de duas semanas depois do início da ofensiva da oposição. Ficou surpreendido? O que é que fez com que a sua queda acontecesse agora?

Ivo Sobral, coordenador de mestrado em Relações Internacionais na Universidade de Abu Dabi, nos Emirados Árabes Unidos: De facto, foi um avanço surpreendente, super rápido, que ninguém esperava. Movimentações militares nos últimos três, quatro dias, muitas pessoas de exércitos do Médio Oriente a deslocarem-se para a Jordânia, a deslocarem-se até para Israel para observarem o que é que estava a acontecer para fazer os relatórios de volta para os seus países. Toda a gente ficou surpreendida com esta rápida expansão das forças populares da Síria.

O que aconteceu foi que, de facto, o regime de Bashar al-Assad estava minado logisticamente por dentro, foi uma batalha de atrito, uma batalha que durou muitos anos e que parecia eterna, mas afinal não, porque os relatórios recentes falam de um exército ao lado de Bashar al-Assad muito fraco, muito debilitado, muito dependente de mercenários e de forças externas, como o próprio Hezbollah libanês que estava quase terminalmente enfraquecido com os ataques de Israel e também as forças do Irão, assim como as forças proxys iranianas que são originárias do Iraque.

Ou seja, de certa forma, foi a própria fragilização do Hezbollah e do Irão que teria levado a que isto pudesse acontecer agora?

Exactamente. É essa a parte decisiva desta mudança enorme no Médio Oriente. As forças russas eram à volta de mil soldados, no máximo, portanto, nada de transcendental, alguns meios aéreos, mas que não poderiam fazer absolutamente nada quanto a esta ofensiva que foi super rápida. O próprio exército de Bashar al Assad, apesar de ter à volta de 20.000 homens, pelo menos até Damasco, também não teria recebido nem sequer os seus salários nos últimos meses, havia falta crónica de munições, falta de comida para as forças de Bashar al-Assad, uma situação que estava já a descer bastante em termos de apoio para Bashar al-Assad. Ele já não era popular na Síria, o problema agora é que as suas próprias forças mais fiéis estavam já a abandonar as posições, como aconteceu em Homs, quase no início.

A queda de Bashar al Assad simboliza o quê? É o fim de uma era de opressão e de violência, mas também poderá ser o início de uma fase de incertezas? Qual é o principal cenário neste momento em cima da mesa?

É difícil falar de um cenário. Podemos falar de vários cenários. É uma era que se acaba, uma era de mais de 50 anos de família al-Assad no poder. A Síria dominou o Médio Oriente e foi um bastião de alguma estabilidade com mais de 50 anos e que agora desaparece. Quando desaparece qualquer coisa - isto não é de hoje, já vimos o que aconteceu no Iraque - um vácuo do poder transforma-se sempre numa situação extremamente perigosa. Isso é o apanágio de qualquer revolução, mas no Médio Oriente ainda é pior, em particular numa zona tão volátil como onde está a Síria e o Iraque.  A Síria é particularmente complexa a situação porque temos não só os jogadores internacionais todos presentes, como existe uma multitude de forças internas da Síria, que tornam todos os cálculos cada vez mais difíceis.

O vazio de poder ocorre normalmente após a queda de regimes autoritários e pode ser explorado por grupos extremistas, como aconteceu no Iraque e na Líbia. Essa possibilidade acontece aqui?

Exactamente. Fortemente.Temos que compreender bem qual é a lógica destas organizações radicais. Numa situação de caos completo, de falta de ordem, de falta de infraestruturas básicas, de completo colapso institucional do governo, uma força consegue trazer uma estabilidade, usando as táticas mais ferozes que podem acontecer, normalmente isso acontece com grupos religiosos fundamentalistas. O fundamentalismo islâmico é uma arma muito potente para a estabilização. As visões radicais baseadas em leituras do Corão radicalizadas trazem esta estabilidade. A estabilidade é muito simples: quem roubar perde uma mão; quem cometer qualquer outro tipo de crime basicamente é brutal o tipo de opressão.

Mas isto pode acontecer na Síria? Quem é que lidera a oposição que fez cair Bashar Al Assad? Quem é Abu Mohammed Al-Jolani?

É uma personalidade muito curiosa. Nasceu na Arábia Saudita, teve uma educação mais conservadora saudita de estilo wahabi tradicional, rumou para o Iraque como um combatente com a Al-Qaida e depois ficou preso cinco anos ou seis anos numa prisão iraquiana. Depois foi para a Síria, onde iniciou este movimento contra o governo. Portanto, é um indivíduo que nas últimas duas semanas se tem desdobrado numa campanha curiosa que é demonstrar que não é um radical, ou seja, uma espécie de campanha de PR - “Public Relations Stunt” - para ter um pouco ao seu lado o Ocidente e outros. Ou seja, não fazendo os erros que outros movimentos mais radicais, como o Daesh ou ISIS no Iraque e na Síria, fizeram e foram isolados e quase destruídos.

Abu Mohammed Al-Jolani prometeu respeitar as minorias, disse que a Síria seria um país para todos os sírios. As minorias religiosas, afinal, não devem ter medo?

O problema são as minorias étnicas também, como são os curdos. Ao mesmo tempo que vemos esta tomada de Damasco, temos também uma ofensiva no Norte do país contra as forças curdas. Obviamente, também não podemos ser demasiado rápidos na análise porque temos que deixar tempo ao tempo, a situação é demasiado volátil e incandescente para termos este tipo de certezas. Existem muitas Sírias agora em movimento, um pouco o cenário que aconteceu em termos de milícias na Líbia, mas desta vez temos toda esta variedade étnico-religiosa da Síria que torna-se bastante difícil para nós fazer esta análise simples porque não sabemos quem está realmente a controlar as ruas de Damasco neste momento, qual é a força, quais são as forças, qual é a conjugação de forças. Portanto, temos que deixar um pouco, pelo menos semana, para começarmos a observar a situação acalmar para fazermos este tipo de análises.

Foram 50 anos de ditadura. Não há aqui uma esperança, um novo amanhecer para um povo reprimido por esta autocracia brutal?

Sem dúvida, sem dúvida. Tenho vários colegas da Síria e foi muito interessante as conversas que eu tive hoje de manhã. Os meus colegas estão muito felizes com o que aconteceu e alguns deles, inclusive que trabalharam para Bashar Al Assad e outros não,  todos são unânimes numa coisa: é que a mudança tinha que ser feita. Pior que a situação na Síria não existia. Estamos a falar de um país que sofreu o que se chama uma detonação social, ou seja, metade da população teve de desaparecer do país. Ficou refugiada, emigrou. Portanto, a Síria perdeu metade da população e os que fugiram não podiam voltar sequer.

Sem contar todos os milhares que estavam em prisões, não é?

Exactamente, há várias décadas, portanto, o que acontecia é que a Síria, como estava, não era positiva para ninguém, muito menos  para qualquer facção da Síria. Isso é um facto. Agora, o que vemos para o futuro? O que eles diziam, rindo um pouco, é que não podia ser pior que isto, portanto, alguma coisa tinha que ser feita. O futuro terá que ser sempre melhor. Um regime autocrático como o do governo de Bashar al-Assad e do seu pai, com milhares - nós nem sabemos a quantidade de prisioneiros políticos que existirão na Síria, estamos a saber agora, lentamente, o que acontecia - é algo que não pode acontecer nos anos 2000 e tinha que terminar. O que aconteceu, o que acontece com estes regimes sempre, é que eles apodrecem por dentro. Foi o que aconteceu e temos que só pensar positivamente para o futuro. Temos de dar uma chance a todas as forças. Existem muitos riscos, sem dúvida, muitos jogadores.

Esta saída de Bashar al-Assad marca uma das mudanças mais significativas no Médio Oriente nas últimas décadas. Que impacto para a região? À partida, quem ganha é a Turquia e Israel e quem perde é a Rússia e o Irão? Quem é que ganha e quem é que perde no tabuleiro geopolítico?

Aparentemente quem perde imediatamente é o Irão. O maior derrotado desta crise será o Irão porque Bashar al-Assad - de uma minoria xiita, os alauítas, muito similar em termos religiosos com o Irão - com o apoio maciço do Irão, com muitos meios empenhados, muitas forças operacionais dentro da Síria, que fazia conexão às forças pró-iranianas do Iraque. Portanto, há aqui uma estrada, uma ligação de Teerão, Bagdad e Damasco, que é agora cortada completamente, e essa estrada ia para Beirute, que foi cortada completamente. O Irão é o grande perdedor.

E a Rússia?

A Rússia basicamente perde prestígio internacional porque se dizia que Putin nunca iria deixar os seus regimes pró-russos caírem no mundo. Bem, a questão é que caiu. Perde prestígio internacional, perde poder geopolítico no Médio Oriente e perde duas bases, as únicas bases que ainda existem da Rússia no Mediterrâneo, portanto, uma base aérea e uma base naval. Muito provavelmente os russos já estão neste momento a evacuar o material mais sofisticado para não cair nas mãos dos rebeldes ou dos seus inimigos. E a Rússia também perde, sem dúvida.

Relativamente a Israel, há aqui alguma vitória no sentido em que Bashar al-Assad era um inimigo de Israel. No entanto, também é um desequilíbrio do “status quo” porque é melhor combater com o inimigo que se conhece do que um inimigo que não se conhece. Ele agora poderá ter que estabilizar um pouco a área, o que é como no passado, em que todas as forças fundamentalistas, mais cedo ou mais tarde, unem-se contra Israel. Aqui, é essa a grande incógnita do futuro. Israel está a monitorizar tudo o que está a acontecer na Síria e pode ser um novo inimigo. Esta instabilidade pode criar um novo inimigo para Israel.

E a Turquia?

Toda esta operação, que começou há mais de duas semanas, tem um cunho muito forte da Turquia, um cunho logístico, de  "leadership", muito provavelmente de "intelligence", existem várias imagens, fotografias que mostram vários indivíduos que não correspondem ao perfil de um combatente sírio e Erdogan joga aqui outra cartada para debilitar o governo de Bashar al-Assad e, ao mesmo tempo, também controlar a zona mais próxima da fronteira com a Turquia. Portanto, há aqui também alguma vitória por parte da Turquia, sem dúvida.

Agora, há outros jogadores à volta: a Jordânia, o próprio Golfo. O Golfo estava relutantemente a ter algumas relações com Bashar al-Assad porque não existia mais ninguém e agora vê na queda de Damasco uma oportunidade, talvez para o futuro, uma oportunidade para investir na Síria, criar e estabilizar a Síria e transformar a Síria num país que seja pró- Golfo, como está a acontecer um pouco no Iraque. Eu tenho certeza de que a Arábia Saudita, o Kuwait, os Emirados Árabes Unidos não querem uma Síria fraca porque uma Síria fraca seria um Iraque fraco, um país desestabilizado que poderia trazer bastantes perigos para esses mesmos países.

E depois muito perto temos sempre a Jordânia. A Jordânia é um país fulcral de estabilização ali no Médio Oriente. A Jordânia está a olhar muito atentamente tudo o que está a acontecer na Síria por causa da sua enorme fronteira comum, assim como que tipo de xadrez poderá se jogar ali tão perto das suas casas. Basicamente, a Jordânia é o país ali com mais coisas em risco.

E depois há o Líbano…

O Líbano é outra incógnita. Líbano e Síria estiveram sempre juntos no passado. A Síria teve sempre um poder superior ao projectar a sua força para dentro do Líbano, os seus serviços secretos a usarem o Líbano. Se calhar, esta pressão agora vai aliviar-se e o Líbano talvez será deixado aos libaneses.

A única coisa em que existe um perigo muito grande é que a Síria, nos últimos sete anos, transformou-se um pouco no chamado "narcopaís", um país que vendia drogas, em particular, e onde o próprio governo de Bashar al-Assad estava implicado. Portanto, para os seus inimigos e para os seus amigos em toda a volta, a Síria transformou-se basicamente num grande produtor de estupefacientes bastante baratos e que eram exportados para toda a zona. Este é um perigo que veremos agora, com a queda deste regime, o que poderá acontecer. Poderá ser como aconteceu no Afeganistão, que mudou para os Taliban, mas a primeira coisa que eles fizeram foi cortar na produção de heroína e pode ser que estes mesmos governos, que sejam mais conservadores também, optem por essa mesma política. O Islão não é compatível com estupefacientes, portanto, há aqui outra questão em aberto.

"Saudade Cité", livro póstumo de Álvaro Morna foi lançado neste domingo em Paris
09 December 2024
"Saudade Cité", livro póstumo de Álvaro Morna foi lançado neste domingo em Paris

Foi lançado neste domingo 8 de Dezembro de 2024 em Paris, o livro "Saudade cité", um livro sobre a imigração portuguesa em França escrito por Álvaro Morna, escritor e jornalista que os ouvintes mais antigos da RFI em português para África decerto recordam. Quando faleceu em Maio de 2005, o autor estava a trabalhar nesta obra que é uma colectânea de contos.

Militante anti-salazarista, o jornalista exilou-se em França por se opor às guerras coloniais que considerava injustas. Nos arredores de Paris, Álvaro Morna continuou a sua militância junto dos numerosos portugueses que tinham também deixado o país então amordaçado pela ditadura.

Depois de ter evocado em 1999 em "Timor uma lágrima de sangue", a luta dos timorenses rumo à independência, e após ter evocado a sua própria viagem clandestina para a França no "Caminho para a liberdade", o seu último livro "Saudade Cité" fala precisamente dos portugueses que fugindo à miséria e à guerra se aglomeraram naquilo que nos anos 60 era um enorme bairro da lata, em Champigny, perto da capital francesa.

Este livro era a obra na qual ele estava a trabalhar quando faleceu.

Ele recordou a primeira greve em que entraram trabalhadores portugueses que nunca tinham participado em nenhum bloqueio, ele contou-nos a odisseia de um português que não sabia nem ler nem escrever e fez duas vezes a viagem a "salto" até França sem nunca cruzar a polícia e também apresentou-nos Alfredo, um homem feio que, como os colegas, vai tentar sair da sua solidão no final de semana. 

O amigo e editor, João Heitor, recordou as circunstâncias em que nasceu essa colectânea de quatro contos que acaba de publicar em português e em francês.

"O Álvaro já estava muito doente. Ele de vez em quando convidava-me a mim e à minha esposa para irmos jantar a casa dele e líamos contos. Ele dizia-me 'olha, acabei de escrever tal livro'. Quando o Álvaro foi para o hospital, eu dizia-lhe 'temos que editar o livro'. Ele respondia 'Sim, sim, sim, sim, sim'. Morreu. Eu achei que sobre a questão da emigração, do 'Salto' dos anos 80, as coisas não estão ainda bem esclarecidas a nível dos jovens que hoje se encontram com 40, 45 anos. Porque não era um tabu, mas os pais queriam que os filhos se integrassem através da escola, através do trabalho, através de tudo isso", lembra o editor para quem as histórias -reais- que Álvaro Morna nos dá a conhecer "são documentos escritos por alguém que viveu essa realidade. Não há mais nada. Há o realizador José Vieira que fez algo, há Gerald Bloncourt ao nível da fotografia. Depois há uns pequenos extractos aqui e acolá. E sobretudo, os jovens não conhecem essa história. Conhecem vagamente, porque também os pais não queriam que conhecessem. Portanto, este é o próximo combate".

"Teatro de desgostos escondidos, de saudades marejadas nos olhos tristes, de revoltas obscuras, de interrogações sem resposta, o Bidonville de Champigny era um palco onde se reflectia, como numa poça de água, a alma torturada dos portugueses. Era o depositário das suas penas, dos seus gritos silenciosos e das suas esperanças sem rumo", descreve a dada altura o escritor. 

Esta história pouco conhecida, uma história provavelmente partilhada por todas as diásporas, uma história de separação, de saudade e de incertezas, foi contada por Álvaro Morna, como um testemunho para as gerações vindouras. Um dos filhos, Jean-Paul, presente no lançamento do livro, deu conta da sua emoção."Acho que ele nos contou essas histórias quando éramos crianças, como um pai conta histórias para os filhos que olham para ele com muita admiração, maravilhados", disse.

Também presentes estiveram muitas das pessoas com quem se cruzou nas suas andanças e se tornou amigo.

"Tino" Costa, antigo dirigente de uma rádio associativa, conheceu o jornalista nos anos 80. "Conheci-o quando houve o movimento associativo relativo às rádios livres. Era uma pessoa muito dedicada à comunidade e aos problemas sócio-culturais e políticos também. Era uma pessoa que, com muita dignidade, sabia dominar os seus impulsos, mas também sabia o que queria na vida, para ele e para e para os que o rodeavam", recordou. 

Gracinda Maranhão, militante e advogada em Paris, também conheceu Álvaro Morna há mais de quarenta anos. "Ele era um homem que tinha um sentido profundo da família. Tinha um sentido profundo da justiça e tinha uma paixão profunda pela humanidade. Lembro-me do encorajamento e da força que ele me inculcava. Ele tinha uma palavra que era comum às palavras que o meu próprio pai que me dizia para nunca renunciar ao seu próprio sonho", lembra a advogada portuguesa. 

Fernando Marques, cantor naquela época e agora professor universitário em Atenas, também fez questão de estar presente na homenagem. "Primeiro de tudo, era uma pessoa culta e, sobretudo, tinha uma abertura de espírito muito grande, capaz de vir ter com o jovem que eu era na altura e perguntar-me coisas como se eu fosse já uma celebridade, por assim dizer. Tinha uma abertura de espírito muito grande. Guardo dele também o espírito de 'bon vivant' que ele tinha. Há pessoas que passam sobre nós, que a gente esquece. Há outras pessoas que nós encontramos na vida que nunca mais esquecemos e que estão sempre presentes. É o caso do Álvaro Morna", conclui o universitário ao lembrar a pessoa que para uns foi uma voz que acompanhou as tardes e que, para outros, foi um amigo.

Para ter mais informações sobre o livro "Saudade cité", eis o contacto:

https://www.conviviumlusophone.com/contact/