Nova pista científica abre caminho a diagnósticos mais precoces do Alzheimer
07 October 2025

Nova pista científica abre caminho a diagnósticos mais precoces do Alzheimer

Ciência

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A doença de Alzheimer continua a ser um dos grandes enigmas da medicina. Em Portugal, é já a patologia neurodegenerativa mais prevalente, impondo um encargo a famílias e ao Serviço Nacional de Saúde. Num avanço promissor, Tiago Gil Oliveira venceu o Prémio Bial de Medicina Clínica ao demonstrar que diferentes regiões cerebrais reagem de forma distinta às proteínas tóxicas do Alzheimer. A descoberta abre caminho a diagnósticos precoces e terapias mais eficazes.

O médico e investigador português, Tiago Gil Oliveira, de 40 anos, acaba de vencer o Prémio Bial de Medicina Clínica com uma descoberta que pode mudar o rumo da investigação. A sua equipa demonstrou que diferentes regiões do cérebro não reagem da mesma forma às proteínas tóxicas associadas ao Alzheimer. Uma nova pista que pode abrir caminho para diagnósticos mais precoces e terapias mais eficazes.

“O primeiro passo é compreender melhor a doença. Saber quais são as vias moleculares, os genes, as regiões cerebrais atingidas e como cada uma reage a estas alterações patológicas. É um trabalho de detalhe. Só assim poderemos avançar para tratamentos mais certeiros”, começa por explicar.

Formado no Hospital de São João e investigador na Universidade do Minho, Tiago Gil Oliveira tem percorrido os dois mundos em simultâneo: o da clínica e o da investigação. Essa duplicidade não é acessória, é central. “Ver os doentes todos os dias gera em mim um sentimento de urgência. Não podemos perder tempo. E, ao mesmo tempo, mostra-me a enorme diversidade da doença. Um doente com Alzheimer não tem só Alzheimer. Muitas vezes carrega outras patologias, que influenciam a evolução clínica. Essa observação clínica inspirou parte da minha investigação”, partilha.

Não é de hoje que o investigador persegue estas pistas. Aos 26 anos, liderava projectos inovadores sobre os lípidos do cérebro e o seu papel na memória e no envelhecimento. Hoje, com uma equipa de vinte pessoas no Instituto de Investigação em Ciências da Vida e da Saúde, insiste em olhar o Alzheimer por dentro.

Nos últimos anos, alguns países aprovaram medicamentos capazes de remover as placas de amiloide, as fibrilas que se acumulam no cérebro e que marcam a doença. Se chegarem a Portugal, diz Tiago Gil Oliveira, o impacto será profundo: “Vai ser uma revolução. Até agora não havia terapêuticas que alterassem a evolução da doença. Mas nem todos os doentes vão ser elegíveis. Haverá um processo de selecção rigorosa para perceber quem beneficia mais e quem tem menos risco de efeitos adversos. Isso vai exigir uma reorganização profunda do SNS. É um desafio imenso”.

Além da reorganização, haverá também um novo paradigma de acompanhamento. O doente deixará de ser visto apenas como portador de uma doença única, e passará a ser avaliado em toda a sua complexidade, “tal como na hipertensão, o futuro passará por terapias combinadas, adaptadas a cada pessoa, onde entram dieta, lípidos cerebrais e outras estratégias. Só assim chegaremos a uma medicina de precisão” acrescenta.

A investigação internacional traz, de tempos a tempos, surpresas que desafiam as investigações em curso. Recentemente, investigadores de Harvard mostraram que uma deficiência de lítio pode estar na origem de maior vulnerabilidade ao Alzheimer. “Foi um avanço notável. Percebeu-se que a deficiência de lítio aumentava a toxicidade cerebral e diminuía a capacidade de remover as placas. Mas também que a reposição com um tipo específico de lítio conseguia proteger o cérebro. Não o lítio usado como estabilizador do humor, mas uma forma especial. Isso abre novas possibilidades não só para a doença, mas também para alterações associadas ao envelhecimento. Agora é preciso tempo: anos de ensaios clínicos para sabermos se a hipótese se confirma”, sublinha.

Entre promessas e prudência, o investigador lembra o essencial: a ciência não avança por saltos milagrosos, mas por passos sucessivos. Cada pista abre um caminho que leva a outro, até que, um dia, se chegue a uma resposta sólida. No laboratório de Braga, a equipa de Tiago Gil Oliveira aposta num terreno menos explorado: os lípidos cerebrais: “Sabemos que variantes genéticas associadas ao Alzheimer afectam genes ligados à sinalização lipídica do cérebro. E os lípidos são constituintes essenciais do tecido cerebral. Se conseguirmos manipular a sua composição no sentido certo, talvez possamos proteger os neurónios ou torná-los mais resistentes à toxicidade das placas”.

E a equipa já testou isso em modelos animais, “Se manipularmos a composição lipídica, podemos tornar as células mais eficientes na remoção das placas ou mais resistentes ao seu impacto. Esse é um dos nossos focos actuais”.

No fundo, o percurso de Tiago Gil Oliveira é atravessado por um fio que liga o microscópio ao olhar do médico junto do doente. É essa ponte que lhe dá a energia para prosseguir. “Estar no hospital dá-me a medida da urgência. No laboratório, tento transformar essa urgência em hipóteses de trabalho", compara.

No silêncio da investigação, entre os ratos de laboratório e microscópios, o que está em jogo é sempre a mesma coisa: um futuro em que a memória não se apague depressa. “O nosso objectivo é simples na formulação, mas imenso na ambição: travar a progressão do Alzheimer. Não sabemos quando conseguiremos lá chegar. Mas sabemos que cada passo é necessário”, concluiu.