Mangais de Angola: Ecossistemas de carbono azul e “berçários da vida marinha”

Mangais de Angola: Ecossistemas de carbono azul e “berçários da vida marinha”

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Os mangais são “berçários da vida marinha, fontes de subsistência das comunidades e ecossistemas de carbono azul”, por isso, é urgente mais educação ambiental para os proteger. Quem o diz é Danilson Lunguenda, Director de Gestão de Projectos da Otchiva, a iniciativa que tem protegido e restaurado mangais em Angola nos últimos seis anos. No Dia Mundial dos Oceanos, a 8 de Junho, 500 pessoas juntaram-se, incluindo 300 crianças, e plantaram 23.000 sementes de mangais.

RFI: No Dia Mundial dos Oceanos, houve uma participação recorde de pessoas para uma campanha de reflorestação. Quantas pessoas participaram e como foi?

Danilson Lunguenda, Director de Gestão de Projectos da Otchiva: Em alusão ao Dia Mundial dos Oceanos, assinalado a 8 de Junho, participaram mais de 500 pessoas, incluindo 300 crianças. Nós temos uma série de actividades, como a observação das aves migratórias, neste caso, de flamingos porque aqui é conhecido como o santuário das aves migratórias na comunidade do Tapo. Além disso, realizámos uma campanha de plantação de mangais com mais de 23.000 sementes de mangais plantadas, envolvendo as crianças, as comunidades, os pais e todos os voluntários que naquele dia participaram na causa.

Qual é que é a importância dos mangais para os oceanos?

Os mangais são conhecidos como berçários de maternidade da vida marinha. Cerca de 80% a 90% das espécies de interesse comercial, especialmente nas zonas tropicais, reproduzem-se nos mangais ou passam um estado de vida nos mangais. Não há como falar dos oceanos sem falar dos mangais porque então interligados. Reflorestando os mangais, estaremos também a proteger os nossos oceanos.

Há quem diga que os mangais são “ecossistemas de carbono azul” e essenciais para o combate às mudanças climáticas. Porquê?

Exactamente. Hoje em dia, o mundo está a acordar para os impactos das alterações climáticas e uma das maneiras de absorver esse carbono é através de ecossistemas naturais, como florestas e oceanos. No caso terrestre, as florestas, estamos a falar do” carbono verde”, que já é muito conhecido. Hoje em dia também se está a falar do “carbono azul” que é o carbono sequestrado por ecossistemas marinhos e costeiros. No caso dos mangais, são ecossistemas costeiros e são conhecidos por absorver 10 vezes mais dióxido de carbono quando comparados com outras florestas, o que torna estes ecossistemas importantes no combate às alterações climáticas.

Há ainda outros benefícios ecológicos e económicos. Quer falar-nos deles?

Os mangais também são considerados habitats para várias espécies. Lá tem muitas espécies de aves migratórias, tem crustáceos, tem os peixes, tem também mamíferos. Além disso, os mangais protegem a orla costeira contra erosões e inundações, protegendo dessa maneira as comunidades que vivem no seu entorno. Quanto a benefícios económicos, como eu disse, os mangais são habitats para várias espécies, como caranguejos e moluscos e essa biodiversidade marinha garante a sustentabilidade económica das comunidades locais.

Também dão suporte e protecção às espécies em risco de extinção, como manatins, tartarugas, algumas aves…

Exactamente. Por exemplo, durante uma das nossas campanhas de monitorização ambiental, havia uma ave que estava presa numa rede de pesca e nós quando soltámos essa ave, numa das anilhas estava escrito Londres. Era um garajau, que é uma ave ameaçada, e é sinal que nos nossos mangais aqui da nossa costa também repousam aves migratórias, além de outros mamíferos, como os manatins que vão para os mangais para se alimentarem, e alguns usam como refúgio.

No entanto, os mangais, nomeadamente em Angola, sofrem várias ameaças e riscos. Quais são eles?

Exactamente. Apesar da importância dos mangais como berçário da vida marinha, como fonte de renda e subsistência das comunidades e como ecossistema do carbono azul, os mangais têm enfrentado várias ameaças. Em Angola, há o corte da vegetação do mangal. Muitas comunidades cortam os mangais para construir casas, tarimbas. Também temos a poluição, especialmente os resíduos plásticos que provocam a morte de muitos organismos. Por exemplo, as aves, às vezes, confundem o plástico com alimento. Além disso, essa poluição vai contaminar os peixes que um dia irão parar aos nossos pratos.

Temos também a caça furtiva às aves migratórias e, especialmente, as construções de infra-estruturas porque as pessoas querem construir na orla costeira para terem acesso ao mar. Então, muita gente entulha essa zona para dar lugar a essas construções. Essas são as principais ameaças que os mangais em Angola enfrentam.

Temos trabalhado com o Governo, com as instituições, com as administrações, com o Ministério do Ambiente, para juntos restaurarmos os mangais e tirarmos essa condição de ameaça que os mangais têm sofrido.

Quais são os mangais que estão mais destruídos e que seria mais urgente restaurar?

De maneira geral, desde Cabinda até Benguela, os mangais estão ameaçados. Outrora estavam bem mais ameaçados, no entanto, com as acções da Otchiva temos vindo a mobilizar. Por exemplo, hoje em dia, a título de exemplo, aqui em Luanda, na zona do Benfica, havia uma zona em que estava a ser entulhada e graças às reivindicações da Otchiva e de todos os seus voluntários, podemos inspirar o Governo e hoje aquela construção já foi interdita e a zona está a ser recuperada.

Um outro exemplo é a ponte sobre o rio Mbridge, no Nzeto, na província do Zaire, que também foi construída, destruindo os mangais, mas através de uma expedição científica que a Otchiva e os seus voluntários fizeram, partilhámos com o governo e aquela ponte foi restaurada, as obras foram refeitas e já há circulação entre o rio e o oceano. Então, a biodiversidade regressou àquela zona.

Em Maio, a OTCHIVA foi aos escritórios das Nações Unidas em Genebra, na Suíça, para lançar o seu primeiro livro intitulado “Aves das Zonas Húmidas do Lobito, um catálogo para inspirar a sua protecção conservação”. Qual foi o objectivo desta acção e de que forma é que a ONU pode ajudar?

O Lobito foi onde a Otchiva começou porque os flamingos do Lobito são conhecidos como identidade da cidade. Os voluntários da Otchiva viram que o seu habitat estava a ser degradado e começaram a reivindicar a protecção dessa zona e foram-se registando as aves desde o início da Otchiva, desde aves migratórias, aves residentes, aves transitórias. Compilou-se e chegou-se ao catálogo. Não é só um catálogo de aves bonitas, é também para mostrar a beleza do Lobito, as zonas húmidas que lá tem, o que é que o Lobito pode oferecer para inspirar para a sua protecção.

A líder da Otchiva, Fernanda Renée, que é a mensageira mundial das zonas húmidas, tem trabalhado com voluntários, com instituições internacionais, com a Convenção de Ramsar para reverter esse quadro em que as zonas húmidas estão afectadas ou pressionadas. A ONU também abraçou essa causa, inspirou e apoiou para o lançamento do livro. Todo o mundo está engajado e está inspirado pelo trabalho que a Otchiva e os seus voluntários têm feito em Angola.

Quantos anos tem a Otchiva e quais são os próximos projectos?

Mais ou menos seis anos desde que começou. Daqui em diante pretendemos continuar com as nossas atividades de restauração das zonas húmidas e com as campanhas de educação ambiental, uma vez que só se protege o que se conhece. A educação ambiental é uma ferramenta crucial para mudar mentes e mudar a sociedade.

Pretendemos continuar com as nossas campanhas de educação ambiental, inspirar mais e mais voluntários para a protecção dos mangais. Aqui, por exemplo, neste último fim-de-semana, houve 500 voluntários, especialmente crianças, então estamos a garantir que gerações futuras cresçam já com essa mentalidade ambiental. Além disso, lançámos, em Maio, o livro sobre as aves do Lobito e pretendemos continuar a lançar mais artigos sobre os mangais para alcançarmos um ambiente mais sustentável para que gerações futuras possam usufruir destes recursos.