Ciência
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Uma vez por semana, os temas que marcam a actualidade científica são aqui descodificados.

"O deficiente saneamento básico" contribuiu para o surto de cólera em Angola
21 January 2025
"O deficiente saneamento básico" contribuiu para o surto de cólera em Angola

Quatro províncias angolanas, Luanda, Bengo, Icolo e Bengo, e Malanje estão afectadas pelo surto de cólera, declarado no passado dia 7 de Janeiro, em Luanda, no município do Cacuaco. De acordo com o Ministério angolano da Saúde, mais de 600 casos foram registados, com 29 óbitos. O médico especialista em saúde pública, Jeremias Agostinho, admite que a debilidade do saneamento básico de Luanda terá contribuído para o surto de cólera. 

Em menos de duas semanas, o surto de cólera - que começou no bairro do paraíso - já se alastrou por quatro províncias angolanas. Foram registados mais de 600 infectados e 29 óbitos. Como se explica este cenário?

Na verdade, este surto não nos apanhou de surpresa. Em finais de 2023, início de 2024, o Ministério angolano da Saúde e a Organização Mundial da Saúde - OMS- notaram um aumento do número de casos de doenças diarreicas, a nível da nossa população, e em função do deficiente saneamento básico que termos, associado à agudização da pobreza, do acesso à economia e da alimentação - 90% da economia é informal - o risco de cólera era muito grande.

Sem esquecer que países vizinhos, como a Zâmbia, Zimbabwe e Moçambique - cujo trânsito aéreo é muito frequente - já estavam a registar casos [ de cólera]. Em 2024, a Organização Mundial da Saúde e o Ministério da Saúde definiram um plano de contingência para casos de cólera, com a formação de profissionais de saúde, a partir de Abril e, infelizmente, em 2025 confirmou-se e começou o surto de cólera em Angola.

Se já havia um plano de contingência, profissionais preparados, este alastramento não poderia ter sido evitado?

Os últimos dados governamentais apontam que em cada dez angolanos, cinco não têm acesso a água potável. É um número bastante elevado e depois também temos que referir que em cada dez angolanos, cinco fazem defecação ao ar livre, uma vez que o acesso ao sistema de saneamento, principalmente a nível da capital, é muito restrito.

As pessoas não têm acesso aos sistemas de drenagem comuns para as águas residuais ou as águas dos quartos de banho. Neste período, na capital e nas províncias, estamos a ter chuvas muito intensas e tudo isso levou a que o surto se instalasse.

Por exemplo, no bairro do Paraíso, município de Cacuaco, onde tivemos os primeiros casos, essa zona que possui outros factores agravantes. As habitações são muito precárias e habitualmente por metro quadrado, residem cerca de 4 a 7 pessoas.

São residências precárias, onde não há latrinas. Já falou aqui da época de chuvas, todos estes factores prepararam o terreno para este surto?

Exactamente, com as chuvas que se vão abatendo pela cidade, o sistema de drenagem não está a funcionar e há muitas inundações. Então, quando juntamos aglomerados populacionais, enchentes, defecação ao ar livre, falta de acesso à água potável, cria-se um cenário propício para o alastramento da doença.

Há ainda a questão do tratamento do lixo que é feito na capital…

O tratamento do lixo aqui na capital é um problema crónico. Há bastante atraso na recolha do lixo e o lixo que é depositado no aterro sanitário, próximo dessa zona afectada pela cólera, não é um aterro sanitário, porque não se faz tratamento de lixo. A única coisa que se faz no aterro é a incineração de alguma parte do lixo. Depois a outra é invadida pela população que aproveita esse lixo para se alimentar.

Por norma, por causa da falta de contentores para depositar o lixo, depositam o lixo nas valas de drenagem. A água das chuvas enche as valas e acaba por arrastar todo o lixo para as praias. Isto faz com que o risco de contaminação pela doença aumente ainda mais. Todo esse conjunto de situações faz com que a doença cresça rapidamente.

Acabando por ter um impacto, também, nos alimentos que são consumidos?

Na urbanização Nova Vida, que é mais ou menos uma urbanização para a classe média, o sistema de fossas está sempre a abarrotar e a verter água repleta de fezes. Essa água vai desaguar no rio Camba. Na zona ribeirinha desse rio é praticada a agricultura familiar, cuja rega é feita com a água composta por restos de fezes e lixo dos moradores da urbanização. Nas zonas afetadas pela cólera, é justamente a mesma coisa que acontece.

A Empresa Pública de Águas de Luanda- EPAL- já veio afirmar que está com dificuldade em distribuir água para a população….

Dizer que está com dificuldade de distribuir água seria minimizar o problema. Na verdade, nunca houve uma adequada distribuição de água para a população. A água que chega até aos cidadãos é uma água que, infelizmente, tem cloro, tem sabor e não cumpre os requisitos da chamada água potável. Agora que está a chover bastante e as populações precisam de água, por causa do surto de cólera, não há distribuição adequada, nem produtos para fazer a desinfecção da água.

Quais são os sintomas de cólera? E quando é que os pacientes se devem dirigir a uma unidade hospitalar?

São quadros de diarreia aguda bastante abundante, cãimbras, vómitos, fraqueza, muita sede e fome. São os sinais e sintomas que estão a ser apresentados pelos utentes.

É neste quadro que os pacientes se devem dirigir ao hospital?

Nós temos estado a aconselhar a todas as pessoas que possuem quadros de diarreia e vómito, abundante ou não, a se dirigirem às unidades de saúde. No caso da cólera, 80% das pessoas que serão infectadas não terão sinais e sintomas, mas transmitem a doença, uma vez que a bactéria se encontra nas fezes.

O Governo está a fazer um bom serviço. Na principal zona afectada, montou uma área para internamento dos doentes, uma área para distribuição de água e outra de distribuição de meios para desinfectar a água. Esse processo tem que ser só mais abrangente para ver se, pelo menos, antes de Abril conseguimos acabar com o surto de cólera.

Que recomendações deixa às autoridades e à população?

As autoridades têm estado a trabalhar bem no quesito da informação, nomeadamente sobre o estado do surto e as medidas preventivas para a população. Esse trabalho tem de continuar. Deu-se início agora à distribuição dos soros de água, também é um trabalho que deve continuar a ser feito.

Relativamente à população, o que recomendamos, nesta altura, são cuidados com a água que ingere, que usa para higiene pessoal e para a lavagem dos alimentos. A água deve ser tratada ou fervida. Também se deve ter cuidado com o lixo. Deve ser colocado em sacos para que as moscas, ou as baratas não tenham acesso. Estes animais também são transmissores da doença. E pelo menos durante esse período, devem ser construídas latrinas para não haver defecação ao ar livre.

Também se devem evitar as idas à praia. A chuva leva o lixo e as águas residuais para as principais praias da capital.

E os pequenos gestos como a lavagem das mãos e a lavagem dos alimentos…

Exactamente, com água tratada, principalmente os alimentos que não vão passar pelo fogo. Deve-se consumir alimentos, de preferência, que se tem garantia que foram bem preparados. Fora de casa, aconselho as pessoas a não consumirem alimentos que não passem pelo fogo, como por exemplo, a salada, entre outros, por causa desse risco de transmissão.

A lavagem das mãos, quando não é possível - nem sempre temos água - vamos passar álcool- gel. E isto fica sob responsabilidade das autoridadesque devem distribuírem esses meios para a população mais carente.

Alterações climáticas foram “factor de agravamento” nos incêndios de Los Angeles
13 January 2025
Alterações climáticas foram “factor de agravamento” nos incêndios de Los Angeles

Os incêndios de Los Angeles foram descritos como “os mais devastadores” da história da Califórnia pelo Presidente norte-americano Joe Biden. Até este domingo, as autoridades registaram, pelo menos, 24 vítimas mortais. As alterações climáticas foram “um factor de agravamento” dos incêndios, mas vêm aí "dias difíceis" na luta contra o aquecimento global, avisa Francisco Ferreira, presidente da ONG ambiental ZERO.

RFI: Por que razão estes incêndios na Califórnia estão a ser tao devastadores?

Francisco Ferreira, Presidente da “ZERO”: A situação da Califórnia e de Los Angeles reflecte, em primeiro lugar, uma extensa situação de seca nos últimos tempos, mas com uma enorme presença de vegetação por aquilo que aconteceu há um ano, que foi o inverno extremamente húmido. Ou seja, foram criadas as condições para ter uma enorme quantidade de biomassa, de mato, de floresta muito mais pronta para arder na sequência do inverno passado, que nas últimas semanas, nos últimos meses não teve a humidade suficiente para evitar uma propagação rápida de incêndios e que acaba por acontecer, na última semana, pela ocorrência de ignições. Para eu ter um incêndio, neste caso, a origem não é natural, há aqui claramente um decurso de uma qualquer actividade humana que ainda é preciso esclarecer e averiguar, em que o terreno estava realmente todo preparado para que, com ventos extremamente intensos e secos vindos do interior, ventos de leste a encaminharem a nuvem de fumo para o Oceano Pacífico, levassem a uma rapidíssima propagação.”

O que são os ventos de Santa Ana?

“Em Los Angeles, nós falamos de uma bacia porque se trata de uma zona que é relativamente baixa, mas toda ela rodeada de montanhas. Em determinadas ocasiões, eu tenho um posicionamento de um anticiclone e de uma baixa pressão que nos levam a ventos muito intensos de uma região nos arredores de Los Angeles, que é precisamente a zona de Santa Ana. E, portanto, quando eu tenho esses ventos, eles são bastante intensos porque eles atravessam as montanhas mais próximas de Los Angeles e levam a esta propagação.”

O jornal Washington Post compara este fenómeno meteorológico a um “secador gigante”. Porque esta imagem?

“Porque realmente o que se passa é que eu tenho uma região interior onde praticamente não tenho qualquer humidade do ar presente nessa área e que depois me é arrastada para o Oceano Pacífico. Portanto, eu tenho uma massa de ar a grande velocidade, mas sem humidade, a atravessar a zona de Los Angeles. Ao contrário daquilo que seria habitual e desejável, que era eu ter um ar húmido ou precipitação que contrariasse a ocorrência destes incêndios, o que eu tenho é um ar extremamente seco a grande velocidade que foi originado numa zona interior. Pior do ponto de vista meteorológico eu não conseguiria ter em termos de alimento para os incêndios que estiveram - e estão - a ter lugar.”

Qual é a ligação entre as alterações climáticas e estes incêndios que foram descritos como “os mais devastadores da história da Califórnia” pelo Presidente americano Joe Biden?

“Em primeiro lugar, nós devemos ter aqui alguma precaução porque se pode pensar que face àquilo que é um clima cada vez mais imprevisível e com comportamentos completamente diferentes do que seria o padrão normal - nós tivemos cheias significativas na Califórnia, tivemos um inverno muito húmido há um ano e agora estamos numa situação de enorme seca - estes extremos são realmente resultado das alterações climáticas, mas pode-nos dar a sensação de que é inevitável e eu não poderia fazer nada em relação a estes mega incêndios que estão a ter lugar.

As alterações climáticas são, sem dúvida, um factor de agravamento daquilo que são problemas também estruturais do ponto de vista do ordenamento do território daquela zona. Ou seja, eu começo a ter aqui fogos que são já quase urbanos, que vão aumentando rapidamente porque eu tenho projeções a grande distância daquilo que é o meu incêndio principal. Esta zona de Los Angeles tem, sem dúvida, uma zona de maior presença de vegetação, mas a propagação toda que se dá com maiores prejuízos é já numa zona que nós chamamos suburbana ou periurbana e urbana, portanto, nós já não temos uma distinção entre o rural e urbano em zonas como Los Angeles, na periferia da cidade.

É uma cidade que eu conheço relativamente bem. Ainda há poucos meses lá estive em trabalho relacionado com a área dos incêndios e da qualidade do ar e das emissões atmosféricas.

Temos aqui um conjunto de factores, onde as alterações climáticas, onde o agravar destes extremos de contrastes entre invernos mais húmidos que o normal, com invernos ou meses mais secos que o normal, e depois condições extremas também motivadas pelas alterações climáticas, como sejam grandes velocidades de vento, como as que ocorreram sistematicamente nos últimos dias, com a estrutura de ocupação do espaço daquela zona, levam à tempestade perfeita entre aspas, levam realmente a este cenário absolutamente dramático e desolador que nós encontramos em Los Angeles.

É aquilo, no fundo, que nós acabámos por ter também em Portugal em 2017. Foi o pior ano em termos de área ardida das últimas décadas e o que acontece tem muito a ver com estas circunstâncias. Nós tínhamos tido uma primavera bastante chuvosa, muita massa para arder no solo, nomeadamente na floresta. Depois, em cada um dos fins-de-semana, um em Junho e outro em Outubro, à custa de eu ter uma grande velocidade do vento, de eu ter um ar também muito seco e quente a percorrer as zonas que foram afectadas, nomeadamente em Outubro, foi realmente a mesma receita daquilo que se passou ou se está a passar ainda em Los Angeles.”

Qual seria então a forma para travar essa “receita” ou essa “tempestade perfeita”? Tanto mais que os serviços meteorológicos americanos avisam que haverá “um comportamento extremo dos incêndios” que culminarão com ventos a 110 quilómetros por hora já a partir desta terça-feira de manhã?

“Nesta altura, a única possibilidade de intervenção é usar os modelos que temos de previsão meteorológica e de propagação de incêndios para tratar da prevenção. É a única forma que é possível num incêndio que é um incêndio urbano, não é um incêndio florestal de grandes dimensões como nós temos tido nos Estados Unidos, no Canadá ou na Europa. Trata-se, neste momento, de um incêndio com características muito claras à escala urbana.

Agora, no médio e longo prazo, obviamente, nós queremos minimizar o impacto das alterações climáticas. É absolutamente crucial que percebamos que esta é uma das questões chave em termos de adaptação climática e que nós temos que realmente reduzir as emissões para que não tenhamos um clima com extremos desta natureza cada vez mais frequentes.”

Isto acontece numa altura em que Donald Trump vai chegar à Casa Branca, ele que é abertamente negacionista relativamente às alterações climáticas. A situação vai piorar?

“Por isso mesmo é que nós temos aqui um problema grande à escala dos próprios Estados Unidos e à escala global. Nós estamos numa linha de aumento da temperatura de 3,1 graus em relação à era pré-industrial. 2024 foi o ano recorde desde que há registos com uma ultrapassagem do limite de 1,6 graus. Ou seja, tivemos 1,6 graus acima da média do período pré-industrial, basicamente quando olhamos para a média entre 1850 e 1900, em 2024 tivemos 1,6 graus acima dessa média de valores.

Os Estados Unidos, em particular algumas zonas são, sem dúvida, exemplos daquilo que já são as consequências das alterações climáticas, quer na Califórnia em termos de incêndios, quer a intensidade e a destruição e a frequência de furacões na costa leste, nomeadamente na Flórida e ao longo de todo o Golfo do México.

Eu acho que nós, infelizmente, estamos num período em que, politicamente, as alterações climáticas vão ter dias difíceis do ponto de vista da concertação à escala mundial e dentro dos Estados Unidos em particular. Isso vai-nos sair, mais tarde, muito mais caro, por não estarmos a tomar as medidas de prevenção em termos de adaptação e, acima de tudo, em termos de redução de emissões, porque o clima é muito resiliente. O clima demora muito tempo a mudar, mesmo que nós agora tivéssemos políticas fortíssimas para reduzir o aquecimento global e procurar reduzir estas consequências, iríamos ainda assistir a uma escalada dos efeitos para depois começarmos a ver essa diminuição. Mas quanto mais tempo perdermos, pior será.”

Ultrapassámos o limite de aquecimento de 1,5 graus, como fixado pelo Acordo de Paris. O Observatório Europeu Copernicus também indicou que 2024 foi o ano mais quente de sempre desde que há registos. Até que ponto estamos num período crucial para a redução de emissão de gases responsáveis pelo aquecimento global para evitarmos esse ponto sem retorno na crise climática? Ou já chegámos a esse ponto sem volta a dar?

“Nós ainda não chegámos àquilo que o próprio Acordo de Paris aponta. Ou seja, a ultrapassagem de um grau e meio foi em um ano. Vamos ver o que é que acontece nos próximos anos, se esta ultrapassagem é permanente ou não. Mas realmente o que a ciência nos diz é que acima de um grau e meio, eu tenho um efeito de cascata e de consequências muito mais dramático do que se conseguisse que a temperatura ficasse abaixo deste aumento.

Eu diria que as notícias não são realmente boas e, infelizmente, este é um problema global. Significa que nós precisamos de respostas globais e a Europa tem aqui, sem dúvida, uma quota de responsabilidade grande do ponto de vista das suas emissões acima de tudo históricas. Mas é necessário continuar o diálogo, a concertação e a acção, mesmo que limitada, no quadro das Nações Unidas e da conferência que vamos ter este ano no Brasil, da Convenção das Alterações Climáticas. Realmente o clima está a avançar mais em termos daquilo que é a sua mudança do que os próprios cientistas previram que pudesse acontecer.”

Moçambique: Reposição das infraestruturas de abastecimento de água em situação de emergência
17 December 2024
Moçambique: Reposição das infraestruturas de abastecimento de água em situação de emergência

Moçambique é um dos países mais gravemente afectado pelas alterações climáticas no mundo, o primeiro em África. Neste momento, o país faz contas às vítimas e aos danos provocados pela passagem do ciclone tropical intenso Chido,que entrou no domingo passado, pelo distrito de Mecúfi “com ventos que rondaram os 260 quilómetros por hora” e chuvas fortes. Neste magazine ciência olhamos para a resposta das autoridades na reposição do abastecimento de água e saneamento em situação de emergência.

Moçambique é um dos países mais gravemente afectado pelas alterações climáticas no mundo, o primeiro em África. Ciclicamente, o país enfrenta cheias e ciclones tropicais durante a época chuvosa, que decorre entre os meses de Outubro e Abril.

Neste momento, Moçambique faz as contas às vítimas e aos danos provocados pela passagem do ciclone tropical intenso Chido, de escala 3 (1 a 5), que se formou a 05 de Dezembro no sudoeste do oceano Indício, entrou no domingo passado,  15 de Dezembro, pelo distrito de Mecúfi, na província de Cabo Delgado, no norte do país, “com ventos que rondaram os 260 quilómetros por hora” e chuvas fortes.

Na semana passada, na antevisão do Chido, as autoridades moçambicanas tinham admitido que cerca de 2,5 milhões de pessoas poderiam ser afectadas pelo ciclone nas províncias de Nampula, Cabo Delgado e Niassa, no norte, e na Zambézia e Tete, no centro.

Em Moçambique, o período chuvoso de 2018/2019 foi dos mais severos de que há memória: oficialmente 714 pessoas morreram, incluindo 648 vítimas dos ciclones Idai e Kenneth, dois dos maiores de sempre a atingir o país.

Já na primeira metade de 2023, as chuvas intensas e a passagem do ciclone Freddy provocaram 306 mortos, afectaram mais de 1,3 milhões de pessoas, destruíram 236 mil casas e 3.200 salas de aula. Os dados são das autoridades moçambicanas.

Precisamente sobre a resposta dada pelas autoridades moçambicanas, em situação de emergência, no abastecimento de água e saneamento, Moçambique levou a cabo uma sessão de esclarecimento, na COP 29, que decorreu de 11 a 22 de Novembro em Baku, no Azerbaijão. 

Alcino Nhacume, chefe do departamento de Estudos de Projectos da Direcção Nacional de Água e Saneamento do Ministério das Obras Públicas, de Habitação e Recursos Hídricos de Moçambique, explicou a resposta que foi dada pelo país, a nível de abastecimento de água e saneamento, após a passagem do ciclone Freddy. 

Foi activado o contingente de resposta de emergência inserido nos projectos financiados pelo Banco Mundial. Era necessário responder rapidamente às necessidades, não no sentido de reabilitação, mas de reposição daquilo que foi danificado pelo ciclone.

Reposição porque havia a necessidade de colocar novamente à disposição das populações afectadas infraestruturas de abastecimento de água e saneamento, por forma a que não se criassem outros efeitos secundários, como doenças de origem hídricas e outros problemas de saúde pública.

Projecto de ADN ambiental marinho assinala presença de 4.500 espécies em sítios protegidos
10 December 2024
Projecto de ADN ambiental marinho assinala presença de 4.500 espécies em sítios protegidos

O projecto de ADN ambiental marinho levado a cabo pela UNESCO em 21 sítios protegidos um pouco por todo o Mundo tira uma fotografia dos nossos mares que pode ser muito útil para perceber como os oceanos e a biodiversidade evoluem com os efeitos das alterações climáticas.

 

Com 500 amostras de um litro e meio de água do mar de diferentes partes do globo, os investigadores do projecto "Expedições de ADN ambiental" da UNESCO, foram identificadas cerca de 4.500 espécies desde peixes, a baleias, assim como tartarugas e tubarões. Esta técnica não envolve apanhar os animais e retirar amostras, apenas analisar os resíduos biológicos contidos nas amostras, um técnica ética, simples e com menos custos dos que as análises de ADN tradicionais como explicou Fanny Douvere, coordenadora do programa marinho do Centro de Património da UNESCO.

"O que é realmente interessante nesta técnica é que não estamos a retirar nada da água, excepto uma amostra de água, cerca de um litro meio. Portanto, não estamos a tocar em nenhuma espécie. É por isso que se trata de uma abordagem ética, porque estamos a deixar o ambiente em paz e estamos apenas a recolher a água e a filtrá-la para extrair o ADN. E para perceber o que lá está, que tipo de biodiversidade existe naquele lugar", disse a representante da UNESCO.

Esta técnica inovadora identifica então as diferentes espécies marinhas comparando-as aos registos de ADN já conhecidos, um processo que se assemelha a uma investigação policial como exemplificou Ward Appeltans, que gere o OBIS, o Sistema de Informação da Biodiversidade Marinha.

"Penso que podemos ver isto como um género de projecto de polícia de investigação global dos mares, já que apenas com base no ADN, podemos saber se a espécie esteve nestes locais que estudámos ou não. Sabemos que o ADN, em média, sobrevive entre 24 a 48 horas na água antes de se fragmentar e ser destruído. Portanto, se conseguirmos apanhar uma sequência de ADN, sabemos que a espécie passou por aqui muito recentemente", indicou Appeltans.

"É realmente uma imagem instantânea. Portanto, sabemos os seres vivos que estavam lá naquele momento específico no tempo. E é por isso que também é muito importante repeti-lo ao longo do tempo. Porque se formos duas vezes por ano ao mesmo local, podemos começar a ver tendências", acrescentou Fanny Douvere. 

Para conseguir as amostras em 21 locais marinhos protegidos pela UNESCO, foram recrutados 250 mini-cientistas. A UNESCO trabalhou de perto com escolas desde o Banglhadesh, passando pela Austrália ou pelos Estados Unidos, incluindo também o Brasil de forma a incluir crianças a partir dos seis anos na recolha de amostras no mar, despertando o interesse sobre a biodiversidade marinha, mas também incluindo-as na luta contra as alterações climáticas.

"Uma das grandes vantagens desta iniciativa foi, de facto, trabalhar com crianças em idade escolar e com os professores. Por isso, contactámos as equipas de gestão locais responsáveis por estas áreas marinhas protegidas na Lista do Património Mundial da Unesco, que estabeleceram contacto com os seus professores dessas regiões. Assim, em muitos destes locais diferentes, os professores começaram por explicar às crianças porque é que íamos fazer aquilo. Também compreenderam que era um projecto não só naquele local, mas que acontecia em simultaneo em outros locais em todo o mundo. E o mais importante de tudo isto é que, sim, há uma grande ansiedade climática entre os jovens e nós estamos aqui para lhes transmitir uma mensagem de esperança. E não se trata apenas de uma história. Não se trata apenas de explicar coisas, mas de sair, ir para o terreno, ir para a água, fazer algo significativo com uma técnica que tem um método científico por detrás, mas é suficientemente simples para ser feita por uma criança de seis anos. No Brasil, por exemplo, quando fomos a Fernando de Noronha, a Área do Património Mundial e tínhamos crianças de seis anos e adoraram. Adoraram sair. Adoraram ser supervisionados pelos cientistas. Perceberam que não podia haver contaminação nas amostras, usaram luvas e puseram os óculos e compreenderam o que estávamos a fazer. Falámos com vários dos miúdos depois e eles sentiram-se muito ligados ao projecto, que o que estavam a fazer era algo significativo e não apenas conversa. Por isso, ainda estamos nesse processo, agora que temos estes resultados científicos e estamos a desenvolver folhas de informação que sejam adaptadas às crianças e que os professores possam utilizar para discutir o assunto na sala de aula"; explicou Fanny Douvere.

Mas os mares ainda nos reservam muitas suprpresas. Estas amostras só permitiram identificar entre 10 a 20% das criaturas presentes nestes ecossitemas e algumas sequências de ADN encontradas ainda não foram identificadas, mostrando que ainda temos muito a aprender com os oceanos.

"Há provavelmente um milhão de espécies nos oceanos, e talvez um quarto seja descrito actualmente pela ciência. Por isso, ainda há muitas incógnitas e nem todas as especies já têm o seu ADN numa biblioteca de referência. É como uma lista telefónica. Nós recolhemos os números, mas com os números, temos de tentar saber a quem pertence esse número. E quanto mais a nossa lista telefónica for actualizada e melhorada, mais seremos capazes de referenciar esse número, ou seja, a sequência de ADN, a uma espécie. E isto levará alguns anos a ser melhorado. Mas tenho a certeza de que, no futuro, isto vai ser rapidamente melhorado. Portanto, dentro de alguns anos, espero que consigamos identificar todas as espécies", exemplificou Ward Appeltans.

A ideia agora é expandir este programa a mais sítios protegidos da UNESCO, nomeadamente onde as técnicas cinentíficas possma ser melhoradas e mais cientistas treinados para conseguir levar a cabo estas análises. Nesta primeira fase, todas as amostras foram enviadas para um laboratório central na Bélgica, mas no futuro, a UNESCO quer que as análises sejam realizadas onde as colheitas são levadas a cabo, melhorando as capacidade de todos os países de cuidarem da sua biodiversidade.

"Qualquer material genético que seja enviado para o estrangeiro está sujeito a um protocolo internacional. Assim, há uma série de países, por exemplo, que não aderiram a esta iniciativa porque não era possível enviar o seu material genético para um laboratório central. Nós trabalhámos com o laboratório central porque queríamos ter um controlo de qualidade significativo. Queríamos também aprender sobre o assunto. Foi uma fase de teste piloto, mas é extremamente importante desenvolver essa capacidade, especialmente em países que não têm ainda acesso a esta tecnologia. Também existem técnicas que lhes permitem avançar para uma análise de dados potencialmente muito mais rápida do que a que conseguimos fazer actualmente, talvez mesmo no local. Por isso, como organização das Nações Unidas, é extremamente importante que formemos cientistas locais em todo o mundo nos laboratórios da eADN que possam aplicar o mesmo tipo de padrões de qualidade que conseguimos desenvolver nesta iniciativa. Assim, na próxima fase do projecto recolheremos amostras, caso o projecto prossiga, a ideia seria recolher material marinho dos locais Património Mundial em África e analisá-los lá", concluiu Fanny Douvere.

Os resultados desta experiência estão disponíveis num site acessível a todos, fazendo com que seja possível através da ciência aberta partilhar o conhecimento adquirido nestes últimos três anos um pouco por todo o Mundo.

Produtores de petróleo bloqueiam tratado contra poluição de plásticos
02 December 2024
Produtores de petróleo bloqueiam tratado contra poluição de plásticos

Os mais de 170 países presentes na quinta reunião do Comité Intergovernamental de Negociação das Nações Unidas, em Busan, na Coreia do Sul, não conseguiram chegar a acordo para implementar um tratado global de luta contra a poluição de plásticos. O biólogo cabo-verdiano, Tommy Melo, explica o que falhou nestas negociações, sublinhado que mais uma vez o lobbying do petróleo se impõe às questões ambientais.

Após uma semana de negociações em Busan, na Coreia do Sul, os mais de 170 países presentes não foram capazes de alcançar qualquer acordo sobre um tratado global contra a poluição plástica. As divergências entre os países que integram a “Coligação de Altas Ambições” e os países produtores de petróleo- Rússia, Arabia Saudita e Irão quanto ao âmbito do tratado -conduziram à suspensão dos trabalhos que deverão retomar no primeiro semestre do próximo ano.

Em entrevista à RFI, o biólogo cabo-verdiano, Tommy Melo, explica o que falhou nestas negociações, sublinhado que mais uma vez o lobbying do petróleo se impõe às questões ambientais.

“Falhou o que falha sempre. Tivemos mais de 100 países juntos, num esforço de tentar conseguir chegar a um acordo e um mero punhado de países produtores de petróleo, mais uma vez fizeram o seu lobby funcionar”, denunciou.

A delegada das ilhas Fiji, Sivendra Michael- à qual se juntou representantes do México, Ruanda e Panamá- acusou “uma pequena minoria” de Estados está a “bloquear o processo”, defendendo que se esses países não se alinharem “para obter um tratado ambicioso (...) então que se vão embora”.

Tommy de Melo alerta para o facto deste impasse ter impacto nos países que não produzem plástico, como é o caso de Cabo Verde, mas que recebem “anualmente centenas de toneladas de plástico através das correntes marítimas”.

“[Cabo Verde] sofre muito pelo pacto de não haver uma regulação muito mais forte na produção de produtos de plástico”, explica.

Na abertura da cimeira foram mostradas imagens de uma ilha de plástico que se formou, nas últimas décadas, no oceano pacífico, um território marinho descontínuo que já tem a dimensão de três vezes o território da França.

A ministra francesa da Energia, Olga Givernet, que representou o país nas negociações, afirmou que cada ser humano ingere semanalmente 5 gramas de plástico, ou seja, o equivalente a um cartão de crédito.

O biólogo cabo-verdiano reconhece que são imagens “assustadoras, acrescentando que a presença de micro-plásticos é uma realidade e “todos os seres humanos já começam a sentir [os efeitos] na própria saúde”.

De acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico-OCDE- se nadafor feito, a poluição plástica poderá triplicar em todo o mundo até 2060.

COP29: “Insuficiente face às reais necessidades dos países menos desenvolvidos”
25 November 2024
COP29: “Insuficiente face às reais necessidades dos países menos desenvolvidos”

A COP29 chegou ao fim em Baku, Azerbaijão, com a aprovação do novo acordo de financiamento climático. 300 mil milhões de dólares por ano até 2035. Francisco Ferreira, presidente da ZERO, sublinha que o financiamento decidido em Baku é “pouco ambicioso e insuficiente, face às reais necessidades dos países menos desenvolvidos”.

A COP29 chegou ao fim em Baku, Azerbaijão, com a aprovação do novo acordo de financiamento climático. 300 mil milhões de dólares por ano até 2035. A aprovação do novo documento foi feita de forma controversa na sessão plenária de encerramento da Conferência das Partes. Os países pobres e vulneráveis ficaram profundamente insatisfeitos e denunciam “pouca ambição”. A ONU sublinha que  “não é momento para celebrações" e destaca “uma montanha de trabalho pela frente”.

Para analisar as decisões saídas desta COP29, a RFI ouviu Francisco Ferreira, presidente da organização não-governamental portuguesa ZERO - Associação Sistema Terrestre Sustentável”, que sublinha que o financiamento decidido em Baku é “pouco ambicioso e insuficiente, face às reais necessidades dos países menos desenvolvidos”. Francisco Ferreira critica ainda a presidência azeri da COP, que aprovou o principal tema em discussão, quebrando a regra de consenso.

RFI: Antes de nos debruçarmos nas decisões saídas desta COP, que comentário faz à presidência da conferência?

Francisco Ferreira: Houve, claramente, dois aspectos críticos em relação à presidência desta COP 29, no Azerbaijão. A primeira, pelos detalhes de vários aspectos na negociação, foi uma presidência permeável à pressão de vários países que efectivamente não querem uma verdadeira e profunda inversão no uso dos combustíveis fósseis. Notou-se, em várias ocasiões, que realmente não era estrutural o pensamento da presidência em relação, por exemplo, a aspectos como a redução de emissões e a mitigação, até quase que chegamos ao cúmulo de retroceder em relação ao que tinha sido decidido o ano passado.

Uma presidência é crucial na construção de consensos, na sua antecipação, na presença de documentos a que se dá tempo e oportunidade das partes se pronunciarem e concertarem os diferentes interesses e em que todas, obviamente, tem que ceder. Isso não aconteceu. Tanto não aconteceu que o acordo sobre o financiamento climático, que era o aspecto principal, acabou por passar [em plenária] pela rapidez com que o presidente da conferência bateu o martelo e deu por concluída ou firmada a decisão, porque senão isso não teria acontecido. 

Quando nós queremos que regras de consenso e de entendimento nestas convenções sejam a norma e temos uma presidência que agiu, até no momento mais crítico, de forma autoritária e fugidia, eu acho que isso traduz bem uma incapacidade de gestão da negociação na sua fase última e mais crítica.

A COP29, que era denominada de “COP do financiamento”, termina com 300 mil milhões de dólares de financiamento público até 2035. Um montante que fica muito aquém daquilo que os países em desenvolvimento, os pequenos Estados queriam. 

É muito insuficiente, porque nós sabemos que as necessidades que estão em jogo são necessidades de biliões de dólares por ano por parte dos países em desenvolvimento, principalmente daqueles que têm menos meios, que menos contribuíram historicamente para o aquecimento global e que mais sofrem as suas consequências. 

Termos um financiamento de 300 mil milhões a atingir em 2035, mesmo que progressivamente, se contemplarmos a inflação e as grandes diferenças que poderão existir entre o financiamento acordado e a contribuição efectiva, temos aqui uma incerteza enorme. O mesmo devemos dizer do valor total de 1,3 biliões de dólares por ano, porque 75% é financiamento privado, de instrumentos que são diversificados, mas que não dependem dos países que, efectivamente, subscreveram este acordo na COP29. 

É aí que está um dos grandes problemas deste financiamento. Ou seja, estes 75% vêm do privado, mas podem não vir porque não estão garantidos à partida. E depois, em que forma é que chegam aos países que precisam desse montante?

Exacto, em que forma e em que modelo. Pode ser até, eu diria perigoso e complicado, se for na forma de uma dívida agravada. Qual será realmente o peso da contribuição de economias emergentes como a Arábia Saudita e a China, que agora também são chamadas a apoiar? 

Há realmente aqui uma incerteza muito grande e, portanto, quando nós temos países desenvolvidos com uma responsabilidade histórica muito importante, deveríamos ter uma resposta muito maior, porque, como sabemos, a incerteza é grande em relação ao financiamento privado, mas também é grande em relação ao próprio financiamento público. Países como os Estados Unidos da América, que em Janeiro poderão vir a deixar o Acordo de Paris, põem também um ónus nos restantes e os restantes são muito poucos - estamos a falar da União Europeia, Austrália, Nova Zelândia, Japão e Canadá.

Portanto, a concretização deste valor vai, sem dúvida, ser difícil, num momento em que as economias estão complicadas, há o redireccionamento de verbas, infelizmente, para outros fins, nomeadamente para os conflitos. Mas este é o “conflito” mais dramático e relevante que temos pela frente e que nos custará muitíssimo mais caro se não aplicarmos esses valores que deveriam aqui ter sido definidos de forma bem mais elevada do que foram. 

Outro avanço que houve nesta nesta COP29 foi a questão dos mercados de carbono. Todavia, no que em Baku ficou definido, a decisão apresenta falhas de transparência. 

Os mercados de carbono são um elemento essencial, por exemplo, para o sector da aviação. As emissões da aviação são compensadas através de um mercado voluntário de carbono e as companhias aéreas já o estão a fazer. 

Aprovar um mercado extremamente complexo em termos da sua utilização, com regras que não são suficientemente transparentes e acima de tudo, se não tivermos em conta que os projectos em causa têm que ter uma enorme integridade do ponto de vista da sua retirada de carbono, arriscamo-nos a um enorme descrédito de um mercado que supostamente deveria procurar garantir a neutralidade carbónica de muitas atividades.

Em relação à mitigação e à adaptação, houve avanços nesta COP29?

Na mitigação diria que houve quase um recuo. Nós deveríamos ter um apelo fortíssimo à redução das emissões, no quadro das contribuições nacionalmente determinadas que todos os países, em Fevereiro de 2025, devem fazer chegar junto da Convenção. O documento que foi aprovado é quase um conjunto de recomendações e de boas práticas e não uma mensagem forte para todos os países. 

No que diz respeito à adaptação, continuamos a andar muito devagarinho. Ainda estamos a trabalhar nos indicadores que serão finalmente definidos e que são imensos -  vão até 100 para monitorizar o esforço de adaptação - e muitos países não têm ainda os seus planos de adaptação, como seria de esperar. 

Portanto, na adaptação há alguns progressos, mas ainda insuficientes e na mitigação quase um recuo face às necessidades. 

Durante a COP29 a sociedade civil, com uma actividade bastante limitada em Baku, olhava já para a COP30, a realizar-se em Belém, no Brasil, com olhos de esperança. Efectivamente, podemos esperar que Belém seja a COP das COP’s como sublinhou a ministra brasileira do Ambiente?

Esperamos, pelo menos, no Brasil, um ambiente diferente para a sociedade civil. Esperamos o concretizar de uma ambição de redução de emissões bem mais forte do que tem sido o caminho. 

Espera-se que a COP do Brasil seja decisiva em vários aspectos na adaptação, mas acima de tudo, na redução, nos compromissos de redução de emissões.

O Brasil, que foi um dos poucos países que já apresentou o seu roteiro para 2035, também tem fragilidades: mostra a intenção de reduzir as suas emissões, mas ao mesmo tempo em aumentar em 36% o uso de combustíveis fósseis. 

Portanto, diria que há realmente uma esperança grande para a COP30. Mas também há fragilidades que os vários países, incluindo o responsável pela organização - Brasil - têm que ultrapassar para se tornarem mais honestos e consistentes com aquilo que deverá ser o esforço climático que é pedido a todos e onde quem ficar na presidência vai ser olhado como um exemplo ou não daquilo que os outros devem seguir.

COP29: Alterações climáticas deveriam integrar o currículo escolar
19 November 2024
COP29: Alterações climáticas deveriam integrar o currículo escolar

A Juventude Ecológica Angolana promove a educação e consciencialização ambiental no país. A participar na  COP29 que decorre em Baku, Azerbaijão, António Armando, secretário-geral da JEA, defende que a educação ambiental deveria passar pelos manuais escolares. A organização não-governamental procura nestes encontros ferramentas para desconstruir a linguagem complexa e elaborada dos dossiers para que o clima não seja um “assunto elitista”.

A sociedade civil desempenha um papel fundamental nas conferências do clima, seja na sua contribuição dos espaços de negociação, nos eventos paralelos ou até mesmo nas acções de protesto, que acabam por ser amplamente reflectidas nos meios de comunicação social. Muitas vezes, também, são as organizações da sociedade civil que trazem para estes fóruns de discussão as grandes preocupações da sociedade, fazendo a ponte entre estas conferências e a população local. Exemplo disso, é a Juventude Ecológica Angolana que tenta simplificar as terminologias complexas aqui utilizadas. 

Em declarações à RFI, António Armando explicou que a JEA tem uma grande preocupação com a educação ambiental, que deveria constar do plano curricular das escolas do país. 

A nossa organização vira-se muito para a questão da educação ambiental. Estamos a simplificar novas terminologias. Nós não sabemos até que ponto a população conhece isso das alterações climáticas. Conhece enquanto efeito, mas enquanto conceito?

Normalmente, durante estas semanas acompanham através dos órgãos de comunicação públicos que Angola está na COP, mas depois questionamos: todos os anos estamos na COP e o que é que a COP nos traz enquanto cidadãos, de bom ou de mau? Nós procuramos sempre buscar estas perspectivas para podermos, de uma forma mais simples, educarmos ou informarmos os cidadãos. 

A ideia é aligeirar os conceitos, de como é que podemos levar daqui para Angola as coisas mais importantes da COP. 

O activista, que tem participado nos eventos paralelos desta cimeira, sublinha a importância da sociedade civil num evento desta grandeza, porém acrescenta que “são poucos” para “uma COP que demanda participação mais activa e engajamento maior da sociedade civil”. 

António Armando refere que o país tem vindo a dar passos neste dossier, mas lembra que as alterações climáticas não podem ser um “assunto elitista”.

 

É preciso descer mais baixo, formar pessoas, sobretudo activistas para que possam informar com clareza.

Quando chamamos alguém a Angola para falar de alterações climáticas, temos cinco, seis ou sete pessoas interessadas, mas o efeito das alterações climáticas é para todos. Logo, não pode ser uma questão de um grupo reduzido.

E aqui, quando estamos a olhar para o país, deveríamos colocar as alterações climáticas no nosso currículo escolar, criamos mais debates radiofónicos, mais debates televisivos para que possamos aumentar o nível de consciencialização da população.”

Questionado sobre as perspectivas de acordo sobre financiamento nesta COP29, o secretário-geral da JEA é peremptório:

Não teremos.(...) os grandes signatários, os mandatários das grandes potências não estão aqui. Isso também vem mostrar o fraco interesse que se tem.

Sinto que muitos dos aspectos que foram aqui levantados vão ser levados para o Brasil e o Brasil vai fazer tudo para que a COP30 dê resultados concretos.”

A COP29 decorre até dia 22 de Novembro em Baku, capital do Azerbaijão.

COP29: “Precisamos de soluções de curto a médio prazo” para fazer face às alterações climáticas
19 November 2024
COP29: “Precisamos de soluções de curto a médio prazo” para fazer face às alterações climáticas

Os ministros dos países membros do Acordo de Paris têm até sexta-feira para definir como financiar um trilião de dólares por ano. O secretário executivo da ONU para o Clima, Simon Stiell, pediu menos “teatro” e mais acção. Nélio Zunguza, economista agrário moçambicano e coordenador executivo da Plataforma Juvenil para Acção Climática YCAC MOZ lamenta que os mais altos representantes das nações tenham escolhido ir ao Brasil, ao G20, em vez de virem à COP29.

Os ministros dos países membros do Acordo de Paris têm até sexta-feira para definir como financiar um trilião de dólares por ano. O secretário executivo da ONU para o Clima, Simon Stiell, pediu menos “teatro” e mais acção.

Na base da discórdia está o clássico pingue-pongue entre países ricos e o resto do mundo, com o financiamento e os esforços de redução de emissões de gases a serem empurrados de um lado para o outro.

Mas se as decisões se querem em Baku, o dinheiro e poder estão concentrados, até esta terça-feira, no Rio de Janeiro, na cimeira do G20, onde o secretário-geral da ONU, António Guterres, pediu “compromissos” para salvar a COP29.

A participar na cimeira do clima, no Azerbaijão, está Nélio Zunguza, economista agrário moçambicano e coordenador executivo da Plataforma Juvenil para Acção Climática YCAC MOZ. Em declarações à RFI, lamenta que os mais altos representantes das nações tenham escolhido ir ao Brasil ao G20, em vez de virem à COP29:

Nós vimos o número dos tomadores de decisão, ao mais alto nível que se deslocaram a esta COP, foi um número bastante reduzido para as últimas duas COP’s que eu pude assistir e isso já é um sinal. Mas, entretanto, começou recentemente o G20 e temos a China, os Estados Unidos, ao mais alto nível de representação.

Qual é a mensagem que queremos transmitir?

Será que as COP’s ainda têm relevância? O que é que se pretende? Se têm, como é que isso se torna efectivo? 

Numa COP em que o objectivo único é o financiamento, até agora não estamos a ter clareza em termos de estrutura, de como é que esse financiamento estará disponível. E estamos a precisar de recursos para responder aos eventos climáticos extremos.

Nélio Zunguza integrou igualmente um painel intitulado “O impacto das políticas climáticas da União Europeia nos países em desenvolvimento: o do CBAM (Mecanismo de ajustamento carbónico fronteiriço) em Moçambique. 

O encontro teve em foco o CABM e estivemos a conversar com jovens moçambicanos e jovens europeus, sobre quais seriam as implicações reais sob o ponto de vista socioeconómico para a vida dos jovens, mas também olhando para aquilo que é o contrabalanço em termos de ganhos ambientais nesta jornada de transição justa, principalmente para Moçambique. 

A COP29 decorre até dia 22 de Novembro em Baku, capital do Azerbaijão.

COP29: Transformar atmosfera e oceanos em património comum
12 November 2024
COP29: Transformar atmosfera e oceanos em património comum

Segundo dia da Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas a decorrer em Baku, no Azerbaijão. Paulo Magalhães, Investigador do Centro de Investigação Interdisciplinar em Justiça da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, a assistir ao encontro, sublinha que mais uma vez “as condições necessárias para um controlo efectivo das alterações climáticas não estão postas em cima da mesa”.

Na sessão de abertura, esta terça-feira, 12 de Novembro, o presidente do Azerbaijão, Ilham Aliev, defendeu o direito dos países a explorarem os seus recursos petrolíferos e de gás. Por seu lado, o secretário-geral da ONU, António Guterres, apelou a novos impostos sobre o transporte marítimo e de aviação para ajudar os países pobres a financiar a transição climática. 

Na conferência, Paulo Magalhães, Investigador do Centro de Investigação Interdisciplinar em Justiça da Faculdade de Direito da Universidade do Porto e director executivo da Casa Comum da Humanidade, vai defender a limpeza da atmosfera: “Além de haver uma política de controlo de emissões, de redução de emissões e de neutralização das emissões actuais, deve criar-se uma outra linha de acção que é relativamente à realização de remoções positivas, isto é, remoções de CO2 que não geram direito a novas emissões nem servem para neutralizar emissões e com isto criar uma economia de limpeza da atmosfera”. 

Paulo Magalhães acrescenta que desta COP podemos esperar “Mais do mesmo daquilo a que temos assistido”, uma vez que “as condições estruturais que seriam necessárias para haver uma política efectiva de controlo das alterações climáticas não estão postas em cima da mesa”.

Em Baku, a Casa Comum da Humanidade vai levar a cabo dois eventos, no pavilhão de Portugal, “sobre a necessidade absoluta de, para além de haver uma política de controlo de emissões, de redução de emissões e de neutralização das emissões actuais, se criar uma outra vertente, outra linha de acção que é relativamente à realização de remoções positivas, isto é, remoções de CO2 que não geram direito a novas emissões nem servem para neutralizar emissões e com isto criar uma economia de limpeza da atmosfera”. 

A Casa Comum da Humanidade sublinha que “o Acordo de Paris nunca será suficiente neste formato, porque é apenas uma tentativa de tentar pôr menos lixo na lixeira. O problema aqui é que, como em qualquer edifício, o sistema precisa de manutenção. Tem que haver regras quanto à apropriação do bem comum e regras quanto à provisão de bem comum.” Paulo Magalhães acrescenta que “nenhum país consegue assegurar aos seus cidadãos um futuro minimamente digno apenas dentro do seu próprio território, daí a necessidade de conciliar um bem comum que é intangível e global e que não ameaça a soberania como a única forma de garantir o futuro para as próximas gerações. Os países que mais contribuíram para o problema devem entender que a única forma de continuarem a ter economia é continuarem o próprio projecto do país no futuro, depende do restauro de ecossistemas no seu país e nos outros países que têm os ecossistemas mais determinantes no balanço do funcionamento do sistema climático.

Há três anos, Portugal tornou-se no primeiro país do mundo a enquadrar legalmente o clima, o clima estável como património comum da humanidade. Desde essa altura que tem a obrigação jurídica de promover esse reconhecimento junto das Nações Unidas. 

Primeiramente, “estamos a trabalhar com os países de língua portuguesa para depois começar a alargar ao resto dos países e introduzir isto na discussão, nos temas internacionais, como uma questão essencial para se poder abordar a questão climática de forma eficaz.

Em relação aos PALOP, a questão já foi abordada já o ano passado. Começou no Lubango, em Angola, foi discutida também na COP28, no Dubai e este ano no Brasil. “Neste momento São Tomé e Príncipe tem a presidência da CPLP e a próxima reunião dos Ministros do Ambiente será em São Tomé e Príncipe e nós queremos participar neste processo o máximo possível. Vamos agora ver se conseguimos entre todos, introduzir esta discussão na COP30”, prevista para Novembro de 2025 em Belém do Pará, no Brasil.