Mona Lisa vai ter ainda mais destaque no “Renascimento do Louvre”
04 February 2025

Mona Lisa vai ter ainda mais destaque no “Renascimento do Louvre”

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O Presidente francês, Emmanuel Macron, anunciou um plano de renovação do Louvre, o museu mais visitado do mundo. A instituição deverá ter uma nova entrada e a obra mais procurada, a Mona Lisa, com 20.000 visitantes diários, deverá passar a ter “um espaço particular”, provavelmente com um bilhete à parte. Neste programa ARTES, falámos com a historiadora de arte Andréa Rodrigues sobre os planos para o Louvre.

RFI: O que representa o Museu do Louvre para França?

Andréa Rodrigues, Historiadora de Arte: O Louvre tem uma importância muito grande porque o Louvre é "o museu da França". Antes de ser museu, foi uma fortaleza construída por Philippe Auguste na época medieval, no século XII. Foi transformado em residência de reis, no século XIV, por Carlos V, e, durante muitos séculos, esse lugar foi realmente marcado pela monarquia francesa e por esses grandes reis coleccionadores.

O Louvre quando foi transformado em museu, foi crescendo, a colecção foi aumentando e hoje é um centro internacional mundial de arte. O objectivo do Louvre não é só mostrar as obras que estão ali, é também ensinar porque é um local de ensino, as pessoas vêm com esse objectivo de aprender, de ganhar conhecimento sobre história da arte. Eu considero que é um local de importância realmente mundial ao nível de arte, por toda a história que tem e toda a colecção que ele conserva.

É também o museu mais visitado do mundo. Economicamente tem um peso muito grande para França?

Com certeza. Economicamente tem um peso muito grande. O Louvre é frequentado por pouco mais de oito milhões de visitantes por ano. O público estrangeiro é o número maior, se não me engano, mais ou menos 60 a 70% é público estrangeiro de fora da União Europeia, são os americanos - antes eram os chineses, mas agora são os americanos que estão em número mais importante. Depois, há uma percentagem de público francês. Então, a nível financeiro tem muitos ganhos ligados a este museu.

Nos anúncios de renovação do Louvre, que foram feitos pelo Presidente francês, ele falou na possibilidade de aumentar o número de visitantes para 12 milhões por ano. O que acha deste aumento? É exequível?

Este anúncio do Presidente, essa “Nouvelle Renaissance du Louvre”, com uma nova entrada, vai trazer realmente um fluxo maior. Porém, sim, hoje o Louvre, o percurso clássico com as obras-primas clássicas que todo o mundo quer ver, é um percurso bem difícil, que tem muita gente. Com este novo projecto e esta nova entrada que será feita, o objectivo é aumentar o fluxo, mas facilitar também a circulação desse fluxo no interior do museu. Então, com certeza vai aumentar, mas eu acredito que terá um fluxo muito melhor distribuído dentro do museu.

O que pensa da hipótese de colocar a Mona Lisa, de Leonardo da Vinci, que é a obra mais procurada do museu, numa “sala particular”?

Eu concordo e gosto porque infelizmente tem muita gente que vem só para ver a Mona Lisa. Eu já tive grupos, na alta estação turística que tem muita gente mesmo, que me pediram para os levar à Mona Lisa. Muita gente vem com esse objectivo de ver essa obra-prima, que é a mais famosa do mundo e a mais famosa do museu. Então, uma sala específica para ela, com todo um recurso pedagógico para facilitar a compreensão também dessa obra, eu acredito que é uma ideia boa. Estou já aguardando e ansiosa para poder fazer essa nova visita do Louvre e poder entrar na “Sala dos Estados” e conseguir mostrar um Ticiano que também está ali, ou um Paolo Veronese que está ali diante da Mona Lisa e que a gente, às vezes, nem consegue explicar por causa de tanta gente que tem. Eu acho que é uma boa opção.

Essas obras maiores são esquecidas perante a Mona Lisa?

Sim, sim. A “Sala dos Estados” tem uma riqueza enorme de obras do Renascimento, pintores venezianos que, muitas vezes, as pessoas nem olham. Elas vão ali e é só um mar de telefones, tirando fotos da Mona Lisa. Às vezes nem a Mona Lisa elas olham direito, porque é tanta gente que não tem como passar tempo admirando essa obra. E há obras que, infelizmente, passam…

Outrora, o Louvre foi considerado como um “templo da arte”. Quando se vai, por exemplo, à sala onde está a Mona Lisa, o Veronese e o Ticiano, ainda podemos olhar para essa parte sacralizada da arte ou é mais uma experiência de turismo de massa?

Infelizmente, às vezes, naquela sala, a gente tem um pouco essa impressão de turismo de massa. Mas a nossa responsabilidade enquanto conferencistas, enquanto guias que trabalham com esse público ali, é tentar mostrar para essas pessoas que não há só essa obra, que elas têm que tentar separar um tempo para ver as outras, para tentar tirar esse lado de turismo de massa naquela sala. Nós temos esse papel, eu tenho esse papel.

Para toda esta renovação do Louvre, vai ser preciso financiamento. Uma das formas para esse financiamento é a hipótese de bilhetes mais caros para os visitantes que vêm de fora da União Europeia. O que pensa desta medida?

É um pouco complicado, realmente. O facto de pagar um bilhete à parte para a Mona Lisa, eu até concordo. Agora, aumentar o custo para os estrangeiros eu acho meio complicado, eu não concordo muito. Claro que vai ser preciso dinheiro para as obras, mas tem muitos mecenas também envolvidos, tem o Louvre Abu Dhabi. Eu acho meio delicado aumentar só para os estrangeiros.

A directora do Louvre tinha alertado a ministra da Cultura para problemas no museu. Sente que há problemas de congestionamento, de salas desadequadas, em termos de temperatura, para a conservação das obras, por exemplo?

Na verdade, sente-se um pouco. Dentro do próprio museu, como tem um fluxo que está muito dirigido no percurso das obras mais clássicas, a gente vê que tem muitas partes do Louvre que quase não têm fluxo de pessoas e durante a semana há muitas salas que ficam fechadas. Segundo eles, é porque não tem a quantidade correcta de pessoas para trabalhar e para cuidar dessas salas. Então, é meio complicado, sente-se um pouco alguns problemas, até um pouco de stress entre os funcionários.

Eu queria agora que falássemos de uma exposição que termina esta semana, "Figures de Fou – Du Moyen Âge aux Romantiques". Houve uma grande evolução na história da arte relativamente a esta "figura"...

Sim. Esta exposição, "Figures du Fou" ["As figuras do louco da Idade Média até ao Romantismo"], tem como objectivo mostrar como essa personagem de “o louco” foi representada no decorrer desses diferentes momentos da história da arte. As pessoas não podem imaginar vir visitar essa exposição pensando que vão encontrar uma história da loucura enquanto doença psicológica ou psiquiátrica. Não, não é isso. Na verdade, “o louco” teve vários significados ao longo da história.

Havia, por exemplo, “o louco” que era aquele que não acreditava em Deus. Na época da Idade Média, essa pessoa era colocada de lado, à margem da sociedade, era aquele que não tem o senso do mundo e da verdade de Deus, porque a Idade Média é Deus, no período medieval tudo é Igreja e Deus. Depois, houve “o louco” no sentido daquele que deixa tudo na vida para seguir Deus, abandona a riqueza, tudo, como São Francisco de Assis. Há, ainda, o bobo da corte, aquele que vai divertir a corte, o rei, a família real e assim por diante. Depois, há o carnaval, por exemplo, onde as pessoas se fantasiam e esse também era um tipo de louco, de bobo também... 

A exposição também denuncia "o louco de amor"...

O “louco de amor” porque o amor, em si, já era considerado desde a Idade Média como uma loucura porque a pessoa faz loucuras quando está apaixonada. A exposição termina com a questão da loucura enquanto doença que os artistas vão representar, incluindo artistas com problemas psiquiátricos. Então, é uma exposição que traz várias leituras do louco, do bobo. É uma exposição que vale a pena visitar realmente.

Qual é a obra-chave para a leitura desta exposição? Há mais de 300 obras expostas, mas há alguma que, para si, melhor represente a exposição?

Bom, a exposição abre com uma escultura que vem de uma igreja de Bois-le-Duc e essa escultura é interessante porque desde a Idade Média essa personagem de “o louco” é colocada à margem porque essa escultura está representada na parte externa de uma igreja, no arcobotante da igreja, representando esse louco. 

Gostei bastante da parte de "o louco de amor" que tem, por exemplo, uma caixinha de marfim, decorada de todos os lados com cenas ligadas a essa questão. Temos aquela história de Aristóteles que se apaixona por Phyllis, amante de Alexandre, o Grande, e faz de tudo para ela deixar Alexandre e ficar com ele. Até esse filósofo, esse homem com o pensamento bem no lugar, pode sucumbir ao amor. 

Como é que esta figura de “o louco” acabou por ser instrumentalizada e usada como propaganda quer pela Igreja, quer pela monarquia?

Sim, é verdade. A gente vê logo ali, na primeira sala, onde tem vários manuscritos religiosos. Esses manuscritos, essas Bíblias, esses livros da época, esses livros de oração vão ser realizados com a figura dessa pessoa que recusa Deus, alguém que é marginalizado, que é representado nu, como um mendigo, como aquele que é jogado de escanteio nos vilarejos e nas cidades da época. São figuras marginalizadas, xingadas, discriminadas e isso é realmente divulgado e os manuscritos são enriquecidos com essas figuras. Mesmo na questão do bobo da corte, essas figuras estão ali só para divertir…

Isso também incita a população a seguir sempre o caminho ditado pela sociedade e a não ir para as margens. Não é uma forma de controlar as pessoas?

É isso mesmo, é uma forma de controlar, porque tem que se seguir o que é posto como regra, porque senão você está à margem. Então, realmente o controlo existe e vai continuar no decorrer dos séculos, mesmo depois da Idade Média.

Também há uns símbolos muito curiosos, grotescos, que surgem nas obras de Bosch, que são os ovos e a galinha. Qual é a simbologia destes elementos?

Nós temos várias etapas da figura do louco, da Idade Média até ao Renascimento e ao Romantismo, e chega um momento em que a figura do louco, do bobo, está tão difundida, tão espalhada, que se vê em todo o lugar. Os artistas começam a representar como se o louco aparecesse nas árvores, em vez de frutos e de folhas; as galinhas vão botar ovos e vai sair louco daquele ovo. Vai-se espalhar tanto esse personagem no espaço urbano que ele vai brotar de todo o lugar. Ele vai nascer de todo o lugar, inclusive do ovo da galinha e assim por diante.