O Tarrafal assinalou no fim-de-semana passado o centenário do nascimento de Amílcar Cabral com o festival Pela Paz. "Com este festival queremos reforçar a referência do Tarrafal como um lugar de paz e símbolo de liberdade", conta-nos porta-voz do festival, Madair Feire.
O curador do evento, músico, escritor e antigo ministro da cultura de Cabo Verde, Mário Lúcio Sousa, explica a sua relação com Amílcar Cabral, líder revolucionário e intelectual que lutou pela independência de Cabo Verde e da Guiné-Bissau. Uma inspiração na obra, literatura e música de Mário Lúcio. "Tenho uma relação espiritual com Cabral, em dimensões que nem eu entendo bem. Vejo-o com frequência e quando escrevi o romance sobre ele, tivemos vários diálogos. O livro apareceu por acaso, mas foi Amílcar Cabral que mudou a minha vida. Um dia encontrei um poema dele, recitava-o na rua e viram em mim uma criança um pouco precoce. Ajudaram-me a ter acesso a uma educação porque os meus pais eram pobres", conta.
Cabral mudou a vida de "todos os cabo-verdianos, ao dar a sua própria vida em troca da liberdade e da independência, defendendo sempre uma filosofia sem ódio. A guerrilha foi necessária, sim, mas ele tinha uma noção de paz. Escreveu várias cartas ao governo português a pedir diálogo, mas nunca obteve resposta. E quando a repressão aumentou, os outros tiveram que se defender e ele continuou a defender a via da paz", acrescentou.
Mário Lúcio nasceu e vive no Tarrafal e fez questão que a primeira edição do festival Pela Paz decorresse nessa vila: "Costumam dizer que temos um coração de pescador porque os pescadores têm uma enorme paciência; deitam a linha na água e ficam ali horas e horas sem apanhar um peixe. Aqui encontramos uma paz natural".
A cultura foi um dos pilares fundamentais no processo de libertação e desenvolvimento de Cabo Verde e da Guiné-Bissau. Amílcar Cabral acreditava que a cultura era um dos principais elementos de resistência contra o colonialismo, defendendo a ideia de que a preservação e valorização da identidade cultural de um povo eram essenciais para o sucesso da luta pela independência.
"No Tarrafal tivemos a prisão e estiveram cá muitos prisioneiros. Conseguiram a liberdade com a luta de Amílcar Cabral e o Tarrafal tornou-se num símbolo de liberdade. Com este festival queremos reforçar a referência do Tarrafal como um local de paz e o símbolo da liberdade", sublinha o porta-voz do festival, Madair Feire.
A cantora cabo-verdiana, Mayra Andrade, subiu ao palco no sábado, 14 de Setembro. No final do concerto, contou-nos que a música é para ela a sua "forma de respirar, forma de ser". "Como cabo-verdiana, acho que é muito claro para mim que a cultura alimenta a música cabo-verdiana. Ela é a nossa maior bandeira no mundo. Fazer parte desta constelação de artistas que levam o nome de Cabo Verde, alimenta em mim um sentimento de muita gratidão pela oportunidade que eu tenho de poder fazer disto a minha vida", concluiu.
O festival Pela Paz foi organizado por Mário Lúcio em parceria com a Câmara Municipal do Tarrafal, com objectivo de reforçar mensagem de paz através da arte e homenagear o centenário de Amílcar Cabral.