Foi em busca do tempo perdido e das memórias quase apagadas que o cineasta francês Pierre Primetens realizou o seu mais recente filme "La Photo Retrouvée" ["A Fotografia Encontrada"]. A obra autobiográfica parte da ausência de imagens da sua mãe e da sua infância para resgatar a sua própria história. É com imagens de arquivos de outras famílias que ele reconstitui um passado do qual não tinha registos, e que lhe foi negado, num percurso de vida que o leva a reencontrar-se com as suas raízes portuguesas.
Pierre Primetens nasceu em França, três dias antes da Revolução dos Cravos. Perdeu a mãe portuguesa aos cinco anos e cresceu num ambiente que tentou extinguir a memória materna, as raízes lusas e uma parte da sua identidade. O filme “La Photo Retrouvée” conta essa história e o título responde a outro filme sobre a emigração portuguesa “La Photo Déchirée” [“A Fotografia Rasgada”] de José Vieira, uma referência para Pierre Primetens que, tantos anos depois, acabou por encontrar a fotografia que lhe faltava.
O título é uma referência ao filme de José Vieira que é um filme bastante conhecido sobre a emigração portuguesa para França. "La Photo Déchirée" conta que quando uma pessoa ia para França, deixava uma parte de uma fotografia rasgada e quando chegava ao destino, enviava a segunda parte da fotografia à família para mostrar que chegou em segurança. No meu filme uso imagens de outras famílias e só há uma imagem da minha família no fim que é da minha mãe que emigrou para França. Chamei-lhe “La Photo Retrouvée” porque encontrei essa única fotografia dela e o fim do filme é a revelação dessa fotografia.
Foi a partir da falta de imagens da mãe que nasceu o filme. Pierre Primetens juntou filmagens em Super 8, rodadas entre 1940 e os anos 70 e reunidas num fundo de arquivos familiares [CICLIC Centre-Val de Loire]. Foi contando a sua história ilustrada com essas imagens alheias que começaram a ser as suas e agora são também do público. E assim foi reconstruindo uma memória retalhada, como uma colagem aleatória que foi ganhando sentido ou como um puzzle que se foi completando com peças oriundas de diferentes colecções. “Não tenho fotografias minhas quando era criança. Há uma falta de imagens na minha família. No filme, conto porque é que esta família não fez nenhuma imagem”, descreve.
Pierre Primetens cria um filme com múltiplas leituras e entrelaçamentos, através do cruzamento do texto autobiográfico, com imagens de arquivo de outras famílias, sons também de arquivos, incluindo uma canção de embalar portuguesa, numa associação de ideias e imagens que não pretende ilustrar mas abrir possibilidades. O único fio condutor é a história de um menino de cinco anos que perde a mãe e fica entregue a um pai que decide apagar completamente a mãe das suas vidas, com toda a violência que isso acarreta para uma criança. Até ao dia em que, já adulto, um familiar aparece à procura dele e o reencontro com Portugal acontece.
Pierre Primetens já tinha feito uma trilogia autobiográfica com "Un voyage au Portugal", "Des vacances à l’Île Maurice" e "Contre toi", em que já estava inscrita uma certa viagem em busca de quem se é. "La Photo Retrouvée" talvez seja o completar de um ciclo sobre essa tentativa de resgate de memórias e identidade.
O filme já foi apresentado nos festivais Chéries-Chéris Paris, Sicilia Queer filmfest 2024, Queer Lisboa 2024, Family Film Project Festival 2024 e États généraux du film documentaire de Lussas 2024.