Christine Enrègle pinta árvores centenárias do Jardim das Plantas de Paris
02 July 2025

Christine Enrègle pinta árvores centenárias do Jardim das Plantas de Paris

Artes

About

Na Galeria de Botânica do Jardim das Plantas, em Paris, a artista francesa Christine Enrègle presta homenagem a três árvores notáveis com desenhos a carvão que captam o tempo vegetal. Numa residência de dez meses, entre contemplação e criação, a artista revela a memória e a transformação das árvores centenárias. Uma viagem entre arte, ciência e ecologia, onde o gesto artístico dialoga com o ritmo lento da natureza.

Na Galeria de Botânica do Jardim das Plantas, em Paris, um espaço fechado ao público desde 2020 e reservado ao trabalho silencioso de investigadores, habita, há quase um ano, uma artista de escuta atenta e traço paciente. Christine Enrègle instalou-se neste espaço para acompanhar, observar e, sobretudo, desenhar três árvores centenárias que testemunharam mais de dois séculos da história humana: um cedro do Líbano, um plátano oriental e um pistácio verdadeiro. Plantadas entre os séculos XVII e XVIII, estas árvores não são apenas testemunhas botânicas: são presença, são monumento, são tempo em forma vegetal.

“Cada uma destas árvores tem uma arquitectura singular. Escolhi-as pelas suas diferenças formais, mas também pela vontade de aprofundar a relação com cada uma ao longo de várias estações. Gosto de trabalhar demoradamente sobre cada uma delas”, explica a artista, rodeada de desenhos de grandes dimensões, todos executados a carvão sobre tela de algodão.

Iniciada em Setembro de 2024, a residência de Christine Enrègle prolongou-se até Junho de 2025. “O tempo da árvore não é o nosso”, explica. “Ela cresce, muda, mas tão lentamente que os nossos olhos não conseguem perceber. É por isso que as trabalho em séries: para dar conta desse movimento perpétuo e quase invisível", acrescenta.

Cada série corresponde a uma estação do ano. No outono, o cedro do Líbano impôs-se com a sua verticalidade imponente. “É o mais antigo da sua espécie em França, trazido de Londres por Bernard de Jussieu em 1734. Impressiona pela altura e pela força silenciosa. Trabalhar com ele foi como estudar uma coluna viva do tempo”, explica.

No inverno, Christine Enrègle voltou-se para as raízes do plátano de Buffon. “A luz era fraca, os dias curtos, o frio constante… tudo isso fazia eco com o subterrâneo, com a escuridão onde vivem as raízes. Foi uma fase de recolhimento, de escavação interior também”, detalha.

Finalmente, na primavera, o pistácio verdadeiro permitiu-lhe fazer uma síntese visual das duas árvores anteriores: “Os seus ramos lembram raízes, mas têm também uma direcção ascendente. Há nele algo de reconciliação entre o que cresce para cima e o que se estende para baixo”.

O suporte técnico das obras é tão essencial como o tema. Christine Enrègle desenha com carvão, matéria de madeira calcinada, sobre telas de algodão tradicionalmente usadas em pintura. “O carvão é madeira que morreu. Usá-lo para representar uma árvore viva é, para mim, um gesto simbólico de regeneração”, conta.

Antes de aplicar o carvão, Christine Enrègle humedece a tela com pincéis: “A água é fundamental. Ela permite que o carvão se fixe melhor. Trabalho por camadas, e há momentos em que termino o desenho a seco. As sombras surgem pouco a pouco, como a própria árvore. É um trabalho de longa duração, que imita o ritmo da vida vegetal”.

Na fase preparatória, a artista passa horas ao lado das árvores, observando, fotografando, escutando. “Tiro centenas de fotografias, mas mais do que isso: contemplo. Cada desenho nasce de um encontro. Primeiro sinto a presença da árvore. Depois, observo a sua estrutura, tento compreender as articulações do tronco, dos ramos… há uma relação quase anatómica com o corpo humano”, conta.

Além do impacto visual e da coerência plástica, há uma dimensão histórica que atravessa toda a residência. O cedro do Líbano, plantado em 1734, carrega consigo uma lenda: durante o transporte desde Londres, o vaso onde era cultivado partiu-se, e Bernard de Jussieu foi forçado a carregá-lo no chapéu até Paris. O plátano oriental foi plantado em 1785 por Buffon, então intendente do Jardim do Rei. Já o pistácio provém de sementes trazidas do Levante por Joseph Pitton de Tournefort em 1702, e foi a partir do seu estudo que se descobriu, pela primeira vez, a função do pólen na reprodução das plantas, um escândalo científico à época.

“Estas árvores são extraordinárias, não apenas pela idade ou pela forma, mas por tudo o que representam”, sublinha Christine Enrègle acrescentando que “são testemunhas de séculos de história. E, ao lado delas, sentimos a nossa pequenez: física, temporal, talvez até existencial”.

O trabalho de Christiane Enrègle não se esgota na contemplação estética. Há nele uma preocupação evidente com a ecologia e com o destino do planeta. “Hoje, as árvores enfrentam ameaças novas. Há menos água, o clima mudou. Muitas morrem mais cedo do que deveriam. A arte pode alertar, sim, mas sobretudo pode propor outra maneira de olhar: mais atenta, mais respeitosa”, acredita.

A artista evoca Franz Krajcberg, com quem trabalhou no Brasil em 2002, como uma influência determinante: “Ele fazia arte com madeira queimada da Amazónia. Denunciava, com grande força poética, a destruição da floresta. Partilho da sua urgência: a vida deve continuar, qualquer que seja a sua forma”.

Os desenhos de Christine Enrègle ainda não têm casa definitiva. A galeria de Botânica, onde nasceram, está fechada ao público. Mas no âmbito da Fête de la Science, a realizar-se nos dias 11 e 12 de Outubro de 2025, o espaço vai excepcionalmente estar aberto para mostrar uma selecção de obras e dar a conhecer o trabalho da artista.“É um privilégio trabalhar aqui. Estamos rodeados de cientistas, cada um concentrado na sua pesquisa. Há um silêncio produtivo, uma energia de concentração que muito me ajudou. Trabalhei sozinha, sim, mas nunca em solidão”, descreve.

Christine Enrègle espera apresentar os seus desenhos noutras instituições fora do museu, dado o volume da produção, mais de sessenta obras, e o desejo de partilhar com um público mais vasto esta experiência de comunhão entre arte, ciência e natureza.