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Estou apaixonado, e agora?
Escrevemos tanto sobre a paixão e tentamos explicá-la tanto quanto foi insuficiente esta empreitada para entende-la. De autores mais consagrados e suas inspirações momentâneasaté aqueles casais apaixonados que vimos no metrô e afetou-nos de algum jeito. Ainda tem aquela famosa frase que sempre nos perguntamos: como saber se estou apaixonado? Basta sentir o deus atravessando.
Eros, como Cupido, é tanto um deus como um demônio (assim como todos os outros, claro)– brincando de criar namoros, destruir casamentos, inspirar obras expressivasartisticamente e incitar guerras (lembremos da Guerra de Tróia).
Rene Magritte, Los Amantes
Seria arrogância escrever aqui sobre as flechas de Eros e ele mesmo. Como descrevê-lo complemente? Podemos imaginar somente da parte da consciência: um envenenamento (perceba Vênus agindo aqui) pela flecha, provoca um pensamento obsessivo e inexorável, um sentimento unilateralizante e viciante, uma sensação enganada que percebe o amante em tudo e em todo lugar bem como uma explosão de hormônios, lubrificações e taquicardias; e uma intuição paranóica, sincronística e fantasiosa. A verdade é que a mulher e o homem apaixonados são irreconhecíveis.
Vale percebermos que esta descrição não parece o encontro entre duas pessoas, mas entre um mortal e um imortal, entre o humano e o divino. É, sem dúvidas, um apagar da racionalidade medíocre e incapaz a qual a humanidade agarra-se tanto, em prol da irracionalidade aterrorizante e deliciosamente vertiginosa. Na imagem: é o deus alado nos abraçando, assim como fez com Psique, e nos arrastando para os céus e para os infernos. Neste momento, inspirando-se em Kierkgaard, podemos compreender o quanto a angústia (angst- como aperto e abraço) é uma liberdade e como a liberdade pode angustiar.
Paixão do Grego provém de "Pathos": sofrimento e afeto. E além de paixão, cria palavras como "patologia", "patético" e diversas outras palavras. Como não é possível descrever o que é a paixão, Eros e suas flechas, só podemos compreender que ela é um afeto, um sofrimento, chegando a adoecer e nos colocar em uma posição que muitas vezes consideramos patética.
E a maneira que concebemos a ideia de patético (ou de apaixonado) faz a maior diferença. Os patéticos que se entregam à paixão de Eros, isto é, às risadas, choros e fantasias de luz, sombra e eróticas, compreendem e honram a passagem do deus, colocando-se no lugar de humano, de mortal e venerando e respeitando a passagem vertiginosa descrita acima. Para o humano nunca é fácil, mas é possível aprender a ser um mediador do que ali provém: as expressões mais belas e impactantes é Eros quem fecunda.
Para indivíduos que estão mais inflados, ligados ao racionalismo, e também aqueles mais materialistas, possessivos e controladores, que tratam o outro como objeto e que jamais olharam para dentro de si; ao sentir o patético em si, sente-se também humano, mas este sentimento de mortalidade e de entrega lhes é inconcebível. Não renunciando à sua inflação, o que lhes resta é a tentativa falha de controlar a paixão, possuir o amante e tentaracorrentar Eros a fim de acabar com a sua passagem e o que dela pode provir. Para estes o Mistério é o pior inimigo. A meia luz erótica parece-lhes perigosa demais. E talvez seja mesmo.
Se para todo controlador existe um controlado, para todo possuidor existe um possuído, temos que tomar cuidado para a entrega à patetice não ser feita ao humano do outro lado. Isto é, acabamos também por crer que o deus do Amor é o outro ser humano, o outro patético. Ledo engano. Quando isso ocorre, acabamos por renunciar a personalidade em nós para viver de acordo com as expectativas do outro. Rebaixamo-nos, subjulgamo-nos. Para este outro, o mundo nunca fora tão confortável: sente-se completo, visto que agora parece que ele relaciona-se concretamente com sua anima ou animus.